Carina andava pela cidade como celebridade, expondo sua beleza cinematográfica. Misturava-se com as pessoas, frequentava os mercados e padarias, posava para selfies com os fãs. Seu sorriso não tinha ruga. Seu corpo não carecia reparos.
Foi por acaso que José descobriu o seu segredo. Fumando um cigarro no píer próximo à casa da atriz que namorava, viu, espelhados na água, os contornos da musa da cidade. Todo homem da cidade sonhava com Carina. Com desejo e, também, encanto.
Sozinho àquela hora da madrugada, José não fez cerimônia em ser indiscreto, íntimos que já eram nas primeiras semanas de namoro. A lua riscava no mar a imagem de Carina tirando seu vestido. Virou-se e procurou a janela onde ela estaria, entre as luzes dos prédios e das casas ao redor. Carina estava na que tinha a luz apagada, sendo denunciada pelo vestido debruçado sobre o parapeito.
O rapaz subiu o muro entre os prédios e o píer, sabendo-se esperado pela amada. Surpreendeu-a no instante em que se virou nua, de frente. Foi quando ele viu as cicatrizes. A mutilação escondida sob os enchimentos da roupa, a doença acobertada pelo glamour das notícias sobre o novo filme. Culpado, José virou o rosto. Na água, viu, novamente, o contorno perfeito da mulher: as curvas, os cabelos emoldurando o corpo até a altura do ombro. Olhou, de novo, para a janela de Carina, com o desejo ultrapassado pela ternura.
Tirando a maquiagem em frente ao espelho, ela sentiu o olhar de José sobre seus ombros. Ao vê-lo no muro, seu impulso foi esconder as cicatrizes com as mãos. Depois, a nudez. José pôs o indicador sobre a boca, num gesto de silêncio, e mandou um beijo delicado para Carina. Ela se encolheu, envergonhada. Ele passou às grades que levavam à janela. Acariciou o rosto da atriz, as olheiras despidas de corretivo. Beijou sua testa. Cobriu-a com o casaco que trazia amarrado à cintura. Abraçaram-se, confidentes, sem terem-se dito uma só palavra.
Desceu à rua, apagou o cigarro no chão, acenou para Carina em despedida. Quando ele chegou à esquina, ela chorava. Mas a noite escondeu suas lágrimas.
Pela manhã, Carina desceu as escadas com um vestido estampado, uma maquiagem leve e um sorriso ensaiado em frente ao espelho. Passaria o dia esperando por José.
À noite, quando ele voltou ao píer, ela desceu, sentou-se a seu lado e agitou levemente a água com os dedos do pé. O que aconteceu, sobre o que falaram, ninguém, além deles, soube. Pequenas marolas turvaram todos os reflexos daquela noite.
ANA LÚCIA GOSLING