O frio da manhã entrou no quarto, pelas frestras da construção. Tide se encolheu sob as cobertas mas os pés e as mãos estavam gelados e roubaram seu conforto. Enrolado no edredom, levantou-se para aquecer o fogo.
Viu, pelo vitrô, Estela caminhando descalça no gramado em volta do casebre. As mãos para o alto, as unhas compridas e negras, os mamilos discretamente evidenciados pelo sol que atravessava a camisola com estampa de tigre. Uma fera no mato, ele se riu, enquanto a chaleira avisava a ebulição da água.
Estela veio, atraída pelo cheiro do café. Avançou, beijando o dragão no braço de Tide e enfiando as mãos na calça do pijama dele.
– Espera. Nem tomei café ainda.
Estela o provocou. Sinuosamente, invadiu o edredom e pode tocá-lo inteiro, pressionando seu corpo contra o dela. A pressa de quem sabe que a maior parte da vida já passou.
– Não prefere tomar café depois?
Tide se excitou naturalmente. Aproveitou o sexo fácil. Embora estivesse incomodado por perder o fio dos seu planos. Pela manhã, sempre fazia abdominais e corria. Estela inventara uma viagem para o mato, longe das ondas, atrapalhando seus treinos para o campeonato de surf.
Mas ele quis permitir-se. Mergulhou as mãos no cabelo dela durante o beijo. Deixou ela roçar os seios em seu tórax. Deitaram-se, misturando pernas e lençóis, enquanto o café esfriava. Passaram a manhã inteira embolados.
– Te conheci numa boate! Nunca pensei que você fosse de natureza – ele disse.
– E eu não imaginava que você era de mar. Achei que fosse de lua.
– A gente devia ter ido para um lugar com praia…
– O mato… Pisar na terra tem uma energia, sabe?
E recomeçaram. Num dia esvaziado de acontecimentos, a vida fervia entre as paredes do quarto pequeno no chalé alugado. Estela se abrigava no colo do amante, contando histórias de quando era mais jovem. Tide a escutava mas distraído, observando a construção.
– Não deve ser difícil construir uma casinha assim, de sapê.
– Sem alicerces qualquer um constrói.
– Mas basta uma chuva forte…
– Por isso, gato, só vou onde há sol.
Tide fixou o olhar nas telhas no teto, sentindo a pressão do silêncio. Estavam isolados. Segundo dia sem treinos. Terceiro dia sem mar. Numa casa sem alicerces. As feras, como as ondas, não se deixam domar.
Estela foi banhar-se. Tide se alimentou. Se olhassem para o céu, veriam a chuva se aproximar. Mas insistiram em navegar até o prazer acabar.
ANA LÚCIA GOSLING