Com Ana Lúcia Gosling

Foto: Lukas Robertson, em Unsplash
Quando criança, as noites tinham magia. Às vezes, sonâmbula, acordava na cama dos pais, sem saber como chegara lá. Imaginava atravessar uma espécie de portal, abrindo os olhos do outro lado. Se dormia bem, me acalmara, antes, o movimento das silhuetas das folhas das árvores na parede. Os pais, no quarto ao lado, me davam segurança.
Crescida, pulei para o centro da noite. As sombras encorajaram meu despertar. O prazer das primeiras danças – o rosto colado e a meia luz desviando a atenção para os aromas e a respiração. Os primeiros beijos e as reações do corpo, expostos na pista, camuflados na escuridão; os strobos romantizando a atmosfera da cena.
As luzes artificiais revelavam sua beleza, redesenhando as paisagens opacas. Eram provas de que o homem poderia vencer as trevas. Construíam um novo mundo sobre o mapa da minha rotina. Os barracões nos morros compunham um cenário de presépio. A calçada iluminada não deixava apagar-se, no fundo, o caminho para o mar. Os postes clareavam a volta para casa, dificultando o mal de esquivar-se atrás das colunas. Sob o foco das luminárias do portão, a despedida ganhava ar teatral.
Quando o amor chegou, sobrepôs sua força à da noite. Acentuou o negrume para materializar o sentimento. Olhos fechados no beijo apaixonado. Abajour apagado na hora de amar. No cenário nebuloso, sentidos atentos aos toques, cheiros e sons. Dentro, fogo aceso, invisível, pulverizando as camadas da escuridão.
Desviei de becos e sarjetas; das festas clandestinas, à margem do salão principal. Evitei o perigo e demorei a entender: as noites abrigavam, também, feridas. Até não conseguir respirar, engasgada em silêncios. Amargando sonhos desfeitos. Sentindo empedrar o amor que não pude doar a quem fechou a porta. Velando vidas em hospitais, onde a noite possui outra camada e pesa. Pedi clareza, esperei milagres. Conheci o silêncio das horas vazias, sem música, nem led. Sem abrigo.
A obscuridade me ensinou a esquecer o medo. Íntima, a tenho comigo sob cabresto. Retirei-lhe a força. Abracei o desconhecido: se falta a movimentação do dia, as criaturas noturnas me alicerçam.
Fez-se breu quando amores partiram. Um manto maior me vestiu ao conhecer o luto. Ainda anoiteço se penso no que é difícil aceitar: os afetos não cativados, os sonhos paralisados, a areia escorrendo no corpo da ampulheta.
Hoje, cubro a noite com poucas certezas. Mas sei que, mesmo longa, não consegue impedir o alvorecer. Mesmo triste, o dia sempre nasce. Quando é um dia bom, deixo minha fé quarar nos varais e estendo-me ao sol. E basta.
DICA DA SEMANA:
A boa dica da semana é a comemoração dos 30 anos do Instituto Estação das Letras. O aniversário do IEL será celebrado na Fundação Casa de Rui Barbosa, reunindo professores, alunos, palestrantes, exposições, autógrafos, palestras e workshops gratuitos, bolo e parabéns.
Para os que quiserem participar dessa celebração, as inscrições e informações podem ser feitas através do celular (21) 99127-4088 ou através do sítio do IEL: www.estacaodasletras.com.br.
SERVIÇO:
30 ANOS DO INSTITUTO ESTAÇÃO DAS LETRAS
- DIA: 24/10/2025, de 14 às 21 horas.
- LOCAL: Fundação Casa de Rui Barbosa – Av. São Clemente, 134, Botafogo
- Inscrições e Informações: (21) 99127-4088 e www.estacaodasletras.com.br

Foto: Divulgação

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Que lindo, Ana! Adorei! Bjs…
Bom saber que você gostou, Vivi! Obrigada pela leitura. Beijos!