Com Ana Lúcia Gosling

Imagem criada por IA – ChatGPT
Se você tem “toc” em Língua Portuguesa, a ponto de corrigir mentalmente as pessoas, corre sério risco de aumentar suas aflições levando ao pé da letra o que se vê escrito por aí.
No passado, os açougues nos levaram ao limiar da brutalidade. Falsas expectativas se apregoavam em suas portas: “Galinhas abatidas”. O peito infantil se enchia de compaixão. O que estaria deixando abatidos os animais? Uma gripe forte? Uma perda familiar? Morreriam assim, antes de virarem menu nas mesas de família, sucumbindo aos poucos? O anúncio despertava solidariedade, vontade de levar sopa quente, cuidar das bichinhas entristecidas, adoecidas. Mas a realidade era violenta, desnudava a crueldade: as galinhas tinham sido mortas; ido para o abate. O dono do estabelecimento noticiava não por luto mas na intenção de comercializá-las.
Depois de o véu ser retirado, tornei-me ressabiada. Chamei até polícia diante de um pedido de ajuda por manutenção em cárcere privado. “Lixo obrigado”, dizia a tabuleta na caixa posicionada na praça de alimentação. Se quisessem ser gentis, além de informativos, melhor seria terem ajeitado a frase. Usarem pontuação ou um recurso gráfico qualquer para não gerarem aflição nos frequentadores do local. Deixar só um “obrigado”, por todo mundo saber que lixeiras guardam lixo. Algo ou alguém recebendo na cara, por coação, restos orgânicos e nojeiras de todo tipo, desperta almas justiceiras. Na dúvida entre estar diante de um exagero linguístico ou de um ato de violência, fiz escândalo.
Isso me deixou escolada para outras situações. Vou aprendendo. Por exemplo, se encontro, na entrada do estacionamento, a placa “Estacionamento sem tolerância”, relaxo. Não significa meu carro, ali, correndo o risco de ser destratado, ouvir desaforo. Nem que, naquele espaço, não se conserve o bom humor. Primeiro pensei ser coisa de transferir para o inanimado o espírito do atendimento da equipe do local e não arrisquei. Preferi estacionar na rua a me aborrecer. Mas a tolerância diz sobre o tempo mínimo de permanência. Não está escrito, é preciso explicar aos desavisados para não darem meia-volta. Se o dono fechar o mês no vermelho, não pode reclamar do prejuízo.
Driblando a arrogância desse excesso de síntese, há letreiros sugestivos: “Não temos carência”. Também não tenho, sou pessoa bem resolvida, faço terapia. Encaixo o automóvel na vaga, sorridente, confortável por ter achado o meu lugar. Tudo que se quer é viver sem precisar dar conta da carência alheia. Se nossos carros poderão ser felizes ali, nós também.
Inaceitável é “Garagem – Não estacione”. Ora, garagens não são, justamente, reservadas à guarda dos automóveis? Não faz sentido proibir-se estacionar carros…na garagem! Se é para desobstruir a frente, facilitar a circulação de entrada e saída de veículos, a mensagem deveria ser outra. “Deixe livre a entrada e saída da garagem”, por exemplo. Aposto que muita gente pára em frente, de propósito, fazendo valer um ponto: “se ela é garagem tem que poder exercer sua natureza”. Não eu. Depois de não ser presa, por convencer o policial não ser trote minha preocupação com o lixo mantido em cárcere, passei a deixar para lá.


Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo














Minha amiga, você deve ter ‘toc’ todos os dias! Rs
Kkkk nem tanto… mas às vezes é inevitável!
Também corrijo placas. Principalmente aquelas com erros grosseiros de gramática. Já pensei, inclusive, em tirar fotos. Expô-las mesmo. “É proibido a entrada de caminhões” tem uma dessas na entrada da Transolímpica. A caneta vermelha chega a coçar!
Eu fotografo, às vezes. Não pelo erro em si mas por achar graça na ambiguidade. Tenho uma foto minha abraçada a “Não temos carência” kkkk Mas está mal focada, por isso não a postei com a crônica.