ÀS QUARTAS – Alegria genuína

Com Ana Lúcia Gosling

Foto: Jacyra da Conceição, em “As Gingers”.

No prédio de entrada larga, Pedro Murad montou seu estúdio para receber nosso grupo de dança. Um por vez, revezou-nos em frente à câmera e a um par de sapatos com chapinhas. A luz nos meus olhos o ofuscava. Mas sua silhueta o mostrava sentado, como eu, e estávamos, os dois, conversando.

Edvandro de Castro ajeitava a câmera ao lado, o enquadramento à frente e, sutil, ajustava a captação das expressões de quem se rendeu a estar ali. Ao lado, Rafaeli Mattos assistia à materialização do roteiro que idealizara, com os depoimentos para comporem a dramaturgia do nosso primeiro espetáculo, prestes a estrear: “Gingers – Uma Obra de Arte do Tempo”.

Assim foi o dia em que virei personagem (real) no curta “As Gingers”. O último depoimento do dia. A saída na rua vazia, numa noite carioca quase fria. As horas já avançadas.

Os recortes das falas nos chegariam trazendo, como Rafaeli imaginara, uma camada a mais de significados para o apresentado em cena. Tudo era ineditismo e emoção: participação em programa de tevê, conseguindo o patrocínio para o projeto, maratona de ensaios, filmagem e espetáculo montado. Entre os sentimentos experimentados, a estranheza de ver-se pela câmera, olhar do outro. Uma surpresa descobrir-se o quanto se revela. Um desafio íntimo: aceitar a exposição.

Nesta semana, chega-me a notícia: o documentário “As Gingers” selecionado para participar de sete festivais nacionais e internacionais. Eu, todos nós, nele.

Nossa professora e regente, Rafaeli Mattos, imaginou um lindo tecido de verdadeiras experiências e declaração de amor à dança. Para direção e captura dessas imagens, Pedro Murad e Edvandro de Castro, revelaram-se as melhores escolhas. A delicadeza da condução de Pedro e o olhar sensível de Edvandro nos levaram a um resultado melhor do que o idealizado. O material humano dos vídeos produzidos nos emocionou; sabíamos que sensibilizaria mais pessoas.

O sapateado é o elo entre nós, a janela de descoberta da potência individual e da surpreendente capacidade de lançar-se no mundo, com energia, beleza e compromisso de viver. Mas as falas são o mais especial do filme. As almas desarmadas. O conforto por saber-se dentro do sonho acalentado há tempos e adiado pela pandemia: o primeiro espetáculo. A vontade de contar-se como se transformou a dureza dos dias em passos de dança encantados. O orgulho da própria superação.

Não éramos artistas de cinema mas pessoas comuns. Que criaram oportunidades e as abraçaram. Focadas na alegria como rotina, por já terem conhecido a dor. Buscando um espaço para serem entendidas e encontrando e doando inspiração. Os testemunhos compilados enfileiram medos, fraquezas e, também, doçura e força.

Minha cabeça não pára. Tenho “gastado” os amigos, revivendo a emoção de o curta ter sido selecionado. Sinto gratidão por Pedro, Edvandro e Rafaeli enxergarem além da casca, do amadorismo e da timidez; por moldarem, carinhosamente, a essência que nos conduz ao centro do palco, à frente da câmera e à escrita da nossa história.

Que lindo, tudo!

ANA LUCIA GOSLING

@analugosling

 

DICA DA SEMANA:

 

Documentário “AS GINGERS”

Sinopse: Documentário sobre o grupo de sapateado, coordenado por  Rafaeli Mattos, composto por pessoas da terceira e quarta idade. Etarismo, envelhecimento, preconceitos, superação estão nos relatos dessas mulheres que descobriram ser o aprendizado do sapateado possível em qualquer idade.

Ficha Técnica:

  • Direção e Montagem – Pedro Murad
  • Roteiro e Pesquisa – Rafaeli Mattos
  • Fotografia – Edvandro de Castro
  • Produção – Andreia Pimentel
  • Realização: Abacateiro Produções Ilimitadas e Inquieto Filmes
  • Elenco (em ordem alfabética): Ana Lúcia Gosling, Angela Pataro, Carlos Fernandes, Dilcéia Mattos, Fátima Cristina Araújo, Jacyra da Conceição, Julieta Duarte, Maria Antonia Souza, Maria Neide Monteiro, Monica Pinheiro

Festivais:

  • The Soul Center Film Fest: Shades of She 2025
  • Papagena Festival 2025
  • Baixada Film Festival 2025
  • 1º Festival de Cinema Guará/curtas 2025
  • Kinjai Shah 2025
  • 1ª Mostra de Cinema Itapety
  • Festival de Cinema de Xerém 2025

Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:


com Ana Lúcia Gosling

com César Manzolillo


com Tanussi Cardoso

 

 

Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, no ArteCult, há crônica nova da autora, que integra o projeto AC VERSO & PROSA junto de Tanussi Cardoso (poemas) e César Manzolillo (contos). Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

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