Com Ana Lúcia Gosling

Foto: vaginismus mag, em Unsplash
Para perceber-se a beleza de Beatriz, é preciso estar perto quando, chegando em casa, ela tira os sapatos na sala e caminha até o banheiro, despindo-se para o banho. É preciso descobrí-la após a limpeza do rosto e sob os cabelos revoltos, soltos do coque que os protegeu da água.
Vestindo a camisola negra, escolhida num meio de semana, com um pequeno furo na coxa direita, sobressai-se a naturalidade de Beatriz. Sem os disfarces do make-up, seus olhos se destacam, ofuscando as olheiras disfarçadas pela manhã. Cheios de curiosidade, fixam-se na televisão, nas páginas de um livro e, se houver companhia, na expressão de quem acompanhá-la até o fim da noite.
Há suavidade na voz de Beatriz; uma não óbvia. Ela não soa especial. Se lhe derem uma canção para cantar, desafinará notas básicas. Mas é doce ouvir suas frases verdadeiras, enquanto enrola na ponta do indicador os cabelos desajustados, narrando as horas do seu dia. Hipnotiza e, naturalmente, desvia a atenção do ouvinte para o contorno dos seus lábios. Adivinham-se os sussurros do tempo passado a dois.
O momento em que se sente sua textura. A tez coberta de uma camada muito fina de um creme cheiroso. Pequenas asperezas e uma cicatriz de um ferimento de infância. As dobrinhas dos quilos a mais contornando circuitos. Ao ter a pele alisada, ela se desfolha diante da companhia.
Ela é uma mulher sem destaque na multidão. É sutil, quase imperceptível. Mas, se sorri, esgarçando os lábios com a alegria que a inundou, desperta no outro a mesma felicidade. Floresce, no meio do dia, por encanto.
Por isso, a sua beleza não notam os distraídos. Quem só anda à superfície, passa por ela sem modificar-se. Para quem presta atenção, sua profundidade escorre na fala mais simples, sobressaindo-se heroína das histórias compartilhadas. Impossível não perceber sua potência ou desviar a atenção dos detalhes do seu corpo ou da luz da sua alma.
Sua beleza real só alcança quem chega suficientemente perto a ponto de ela poder tocar-lhe os cabelos com seus dedos longos, trançando-os. Quem a deixa aninhar-se, segura, no peito escolhido. Só quem chega mais além, enxergando-lhe a generosidade e admirando sua íntima atenção, faz seu coração dilatar-se em amor e intensidade. Para essa pessoa, ela se desenha, única, a sua frente, em desenhos jamais encontrados em outra mulher.


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