ÀS QUARTAS – Castelos de Areia

Com Ana Lúcia Gosling

Foto: Abhishek Loke, em Unsplash

 

Sobre a areia, constrói-se a casa, com portas e janelas abertas para o sol.  As paredes com as cores claras dos planos futuros e das histórias vividas.  Com alegria, finaliza-se o trabalho, abrindo-se, com as próprias mãos, uma estrada larga em frente ao cenário montado.

Esquece-se da força do mar, cuja presença pode ser serena quando invade os caminhos alargados da estrada.  Mas há vezes em que, chegando à porta, derruba paredes, recolhendo-se para compor uma onda ainda maior.  A onda mais forte, de uma só vez, funde casa, muro, estrada e chão sobre o qual se desenhava todo o projeto.

Como um banhista de qualquer praia, aceita-se humildemente a inevitável força da natureza e abandona-se por um tempo toda a obra.  Mergulha-se no mar, luta-se contra a correnteza em dias de cautela ou deixa-se acolher por uma onda generosa em dias brandos. 

De volta à meta traçada, recomeça-se.  Com a mão, com a ajuda de pás e objetos de ponta, imprime-se, à frágil obra, contornos mais reais, até o momento em que nova onda surpreenda o escultor. E, depois, outra e outra até que, definitivamente, destrua-se, por inteiro, a arquitetura sonhada.  

Só lhe restará mergulhar e abandonar o mar, pisando a areia em direção à margem, embora puxem-lhe as ondas.  Continuar em direção à rua – segunda margem – onde caminhar não exige força e é mais fácil o equilíbrio.

Sobram-lhe o som do mar e as vozes confundidas daqueles que o cercavam. Sobra-lhe o vento, agitando-lhe os cabelos, e a ponta da toalha,  chicoteando a pele já coberta de sal, com os restos da areia.

Resgatará, no retorno à casa, a lembrança morna do vento. Minutos antes de adormecer, ouvirá o mar se aproximando e fugindo. 

Já não haverá castelos sobre a areia.  Mas a incessante vontade de construí-los, sempre que forem desmontados.

 

ANA LUCIA GOSLING

@analugosling

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Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, no ArteCult, há crônica nova da autora, que integra o projeto AC VERSO & PROSA junto de Tanussi Cardoso (poemas) e César Manzolillo (contos). Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

One comment

  • Maravilhoso texto Ana, tenho a certeza que todos nós, podemos identificar-nos com o mesmo, porque a vida é tão longa, que nos permite provar de tudo, o bom e o menos bom de todas as jornadas!!! A diferença está na atitude e na força de cada um para levantar-se, seguir e quem sabe, remontar o castelo ainda mais forte e indestrutível!!!
    Parabéns, eu amei!!!❤️

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