Jantando com um amigo, disse a seguinte frase: “se eu ainda me apaixonar novamente…” e parei. Levei um susto ao verbalizar o “se”.
Sou mulher madura. Contrariando os que, por preconceito, acham que, quando se tem mais idade, menos exigência se deve ter, digo: é o contrário. Os critérios para um relacionamento se estreitam. Deixar minha confortável companhia, o controle da minha agenda de ócio, prazeres e obrigações, é experiência que precisa valer a pena. Não se troca energia com qualquer pessoa. Serve para tudo: namoros, amigos, entretenimento.
Não subestimo o valor de um bom relacionamento, por outro lado. A companhia, os momentos de intimidade, a cumplicidade. O apoio na dificuldade como gesto de amor. Ser amado e corresponder a esse sentimento alimenta o espírito.
A eventualidade de não mais apaixonar-me me surpreendeu. Impossível não é. Sentimento não é matemática. Cá para nós, faz tempos não me apaixono por alguém. Voltei para casa pensando nisso e subverti o espanto para algo mais potente. Por ter preenchido minha vida com paixões, na verdade, minha visão do sentimento se expandiu.
Fazemos, inconscientemente, a associação da emoção apenas com o romântico amoroso. Mas, na vida, há tanto por que se apaixonar. No meu caso, em particular, pela maternidade, pelos bons encontros, pelas letras, pela dança, pelo trabalho, por viagens. Aposto em doses obrigatórias de prazer.
A vida não é pura alegria. A de ninguém é. Como qualquer um, tenho problemas. Já vivi períodos de desamparo emocional, lutos, dificuldades. Por isso mesmo, encaixo na rotina doses de encanto. A dor, a tristeza, essas sim, são surpreendentes, chegam sem avisar, atropelando os planos. Mas a alegria pode ser construída.
Minha conversa soa como “psicologia de botequim”. Talvez seja, afinal, começou à mesa de um restaurante. Mas vejo tantas pessoas incríveis fazendo concessões que não deveriam por medo da solidão. Ou esperando o momento ideal para sentirem-se felizes (a relação, o emprego, a casa, a garantia financeira). Adivinhem o óbvio: o curso da vida é caótico e, na maior parte do tempo, tudo acontece fora do que se idealizou. Não devemos parar por isso. Nem condicionar nossa felicidade a uma perfeição rara de ver-se realizar.
Aprender a lidar com a solidão traz coragem. Refina escolhas. Poupa erros desnecessários. A solidão é estado transitório, sempre. Numa hora estamos sós, noutra, cercados de amigos; a família em volta da mesa, noutra, órfãos de pais, adiante, à cabeceira dos netos. Ciclos se alternam.
Tento ser feliz com o que tenho. Cuido das plantas, vigio os pássaros, escrevo em silêncio. Minha solidão é ouro. Beijo, cheiro e chamego? Gosto também. Mas nos braços certos! Aí, sim, é bom demais.
Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo
Texto sensível, delicado e “cirúrgico”, como sempre são os textos da Ana Lúcia!
Parabéns, querida!!!
Obrigada, Rodrigo, pela leitura e pelo papo bom que inspirou o mote da semana.
Se encaixa perfeitamente no momento que estou vivendo! Bjs