Ator reflete sobre personagem de ‘Totalmente Demais’ e diz sofrer com isolamento social na pandemia: ‘Eu gosto de multidões’
Lurdinha ( Carolyna Aguiar ), Florisval ( Aílton Graça ) e Kátia ( Aline Borges ) – Foto: Globo/João Miguel Júnior
Florisval (Aílton Graça) é um incansável atleta do revezamento de conquistas. Em ‘Totalmente Demais’, ele, atualmente, alterna seus galanteios entre Lurdinha (Carolyna Aguiar) e Kátia (Aline Borges), tripudia da dor de cotovelo de Maristela (Aline Fanju) e não abandona as tentativas de voltar pra Rosângela (Malu Galli). Mas o tempo em que ele podia se gabar do número de namoradas que tinha entre o Bairro de Fátima e Curicica acabou. E seu intérprete sabe disso.
“Ele é um parceiro abusivo tóxico. Hoje em dia, em vários grupos, estamos debatendo sobre a questão da masculinidade do homem negro. O Florisval pode até ouvir determinadas coisas, mas não entende mesmo como é que esse processo se dá, como se policiar onde ele está sendo abusivo. A falha de caráter dele é gritante”, comenta Aílton Graça, que vê no tom de comédia que ele carrega a razão para o personagem ainda assim ser tão querido: “O humor dele é o que o atrai para estabelecer uma conexão familiar, porque ele também não foi um grande pai”.
Mas a redenção desse personagem se inicia justamente na hora em que sua figura paterna é mais exigida. O atropelamento que deixa o filho Wesley (Juan Paiva) sem conseguir andar, previsto para ser exibido no dia 1º de agosto, dá espaço para grandes cenas de reencontro familiar de seu núcleo na trama. “Foi quando Florisval se viu foi mais pai e humanizou um pouco o personagem, que foi para outro lugar com a preocupação com o filho. Esse foi um momento importante para dar uma grande virada na vida dele, o trouxe mais para terra”, comenta ele.
‘Totalmente Demais’ é criada e escrita por Rosane Svartman e Paulo Halm, com direção-geral de Luiz Henrique Rios e direção de Marcus Figueiredo, Noa Bressane, Luis Felipe Sá, Thiago Teitelroit.
Veja abaixo entrevista completa do ator.
Florisval (Aílton Graça) – Foto: Globo/ Pedro Curi
Que lembranças ‘Totalmente Demais’ traz para você?
Essa novela foi fantástica. Pessoas muito queridas estão nesse trabalho, desenvolvendo esse conteúdo. Em especial, a Malu Galli. A gente se aproximou de tal forma que hoje eu posso dizer que tenho na Malu uma irmã. Somos amicíssimos, eu, ela, a família dela. Eu não conhecia o trabalho da Aline Fanju, e ela é muito talentosa, muito criativa. Ela, que, até então, estava fazendo alguns personagens um pouco mais carregados no drama, mostrou que tem um talento para desenvolver personagens cômicos. Então foi um encontro maravilhoso. O Juan Paiva e a Lelezinha (hoje, Lelê) viraram meus filhos de verdade. A gente não perdeu essa conexão e acabou fazendo outros trabalhos juntos. Essa novela me trouxe coisas maravilhosas.
Qual o perfil do seu personagem?
Florisval é uma composição delicada, é um lugar difícil de você elaborar. Ele tem desvios de caráter com certeza, tem a favor dele apenas a empatia. Foi delicioso de desenvolver porque eu tinha parceiras e parceiros gigantes em cena, que possibilitavam a construção desse personagem com esse deslocamento temporal. O Florisval é um cara que não acompanhou todos os bate-papos do que é ser um homem no século XXI.
A Rosângela era mesmo o grande amor da vida dele? Ou era um porto seguro que ele não conseguia abandonar?
Eu creio de verdade que a Rosângela era o grande amor da vida do Florisval. Não era só uma questão de porto seguro afetivo. Porque o Florisval já tinha a vida dele, mas se comportava como um grande meninão. Seria difícil levá-lo sem essa gama do humor, de ser um personagem clownesco, porque senão, ele ficaria rígido ao ponto de não criar nenhuma identificação. E muita gente se identifica com o Florisval. Recebi o recado de muitos meninos dizendo que o pai era parecido, que o tio e o vizinho eram parecidos com ele. Todo mundo conhece um Florisval, que está deslocado no tempo e no espaço. E vai ser mais difícil ele se adequar ao que vem sendo discutido nos novos tempos, né? Minha gratidão mesmo vai pra Malu Galli e Aline Fanju, que souberam trabalhar com um personagem que traz em si esse um milhão de problemas.
Maristela (Aline Fanju) e Florisval (Aílton Graça) – Foto: Globo/ Pedro Curi
Em recente entrevista, a Aline Fanju comentou que só hoje vê como a personagem dela se submetia a um ‘relacionamento abusivo’ com Florisval. Você hoje consegue fazer essa leitura? De pensar o Florisval como um parceiro tóxico para as mulheres com quem ele se relacionava?
Concordo com a Fanju. Ele é um parceiro abusivo tóxico. Hoje em dia, em vários grupos, estamos debatendo sobre a questão da masculinidade do homem negro. Eu acho que o Florisval pode até ouvir determinadas coisas, escuta, mas não entende mesmo como é que esse processo se dá, como se policiar onde ele está sendo abusivo. O humor dele é o que o atrai para estabelecer uma conexão familiar, porque ele também não foi um grande pai.
Lembra de alguma história curiosa de bastidores?
Um dos momentos mais significativos na novela foi quando a gente gravou o acidente do Juan. Exigiu uma concentração tão grande de todos os atores, da nossa equipe, de toda a figuração, que se empenhou muito para que a gente fizesse aquele acidente daquela maneira. Foi muito significativo naquele momento e deu para nós uma comoção. Foi quando Florisval se viu foi mais pai e humanizou um pouco o personagem, que foi para outro lugar com a preocupação com o filho. Esse foi um momento importante para dar uma grande virada na vida dele e o trouxe mais para terra.
Florisval (Ailton Graça) e Rosangela (Malu Galli) – Foto: Globo/Paulo Belote
Como tem sido sua rotina na quarentena?
No começo foi muito difícil a questão do distanciamento social. Não sei lidar com as redes sociais, tenho dificuldade de fazer lives, postagens. Acho tem momentos importantes e significativos que precisam ser preservados na nossa memória. Na contação de uma história, cada um vai contar de um ponto de vista e vai provocar no outro um ponto de imaginação que a gente não congela. Já tenho uma profissão que congela um determinado espaço de tempo na minha vida, faço novela, cinema. Gosto de estar próximo de pessoas, ouvindo e recebendo histórias. Não que isso não tenha hoje nas lives, nas redes sociais. Tem. Eu é que tenho dificuldade de ficar, de assistir. Então, para mim, o distanciamento é ruim, porque eu gosto de multidões. Gosto de Carnaval, de teatro, de uma boa roda de samba, de ir à padaria, de ir à feira e foi um choque não poder ir. Por outro lado, me possibilitou fazer aquela faxina que todo mundo diz que vai um dia fazer na casa, então eu fiz. Coloquei em dia os meus livros, consegui catalogar algumas coisas ainda de DVD e VHS de alguns trabalhos. Foi gostoso ficar um pouco mais com a família, observar o tempo. A gente teve aí mais pássaros voando, a gente precisa olhar mais o dia, o céu pela janela. É importante. Ainda estou de quarentena, vendo essa flexibilização, mas estou acompanhando apreensivo. Só gostaria de voltar para esses movimentos de multidão, como Carnaval, ensaios de escola de samba, shows, com a vacina. A gente precisa da vacina e ver também se o povo vai voltar diferente.
Você apresentou sua peça “Solidão” em uma live. Acredita que esse seja um formato possível para o teatro se adaptar aos tempos de pandemia?
Foi importante como experimento, mas, para mim, a questão presencial é primordial, e o teatro sintetiza todas essas mídias de comunicação que a gente utiliza agora, como o telefone, a imagem. Tudo isso é bacana, mas o teatro tem tudo isso numa potência máxima. Porque você está ali, com aquele grupo de pessoas, num grande ritual cênico. Com uma sala lotada e todas as pessoas estão respirando juntas, olhando juntas para um determinado quadro, onde tem um grupo de pessoas ou uma única pessoa num monólogo comunicando com a alma dela. A pessoa se predispõe a sair da casa dela, ir àquele teatro e ficar durante uma hora, duas ou três horas assistindo a um espetáculo, depois vai sair e falar desse rito. O teatro vai ser a último a voltar depois dessa pandemia, mas, quando voltar, será com essa força que não tem nada igual. O teatro precisa e necessita do tête-à-tête para o grande rito cênico. Lembrando que eu torço para que muita coisa faça mesmo sucesso. Muitas pessoas estão conseguindo mostrar trabalho nessas novas plataformas. Tem coisas fantásticas acontecendo, como a Tereza Cristina com esses encontros maravilhosos. Sei que tem muitas pessoas descobrindo, dialogando com seus fãs, olhando o outro. É uma fase boa para experimentar novas linguagens.