Ser mulher é superar o medo.
Medo de voltar desacompanhada no táxi no fim da noite.
Medo de hospedar-se sozinha num hotel numa viagem de negócios.
Medo de usar saia, decote ou transparência, se não estiver acompanhada na festa.
Medo de pegar atalhos.
Medo de ser gentil e protagonizar boatos maldosos no trabalho, ainda que seu maior pecado seja encostar a mão no braço de um colega ou soltar uma gargalhada.
Medo de destacar-se e seu mérito não ser atribuído a sua capacidade. Medo de seu talento ser diminuído pela sua beleza.
Mulheres precisam de indicação: médicos que possam consultá-las sem serem abusivos; prestadores de serviços que possam trabalhar dentro de suas casas, respeitosamente.
Mulheres vigiam seus copos para não serem drogadas.
Mulheres escondem seus corpos para não serem estupradas.
A possibilidade do estupro é abordada na formação de qualquer mulher. Molda os conselhos paternos na infância e na adolescência. Liga o alerta. Destrói as borboletas na barriga e as mergulha na realidade. Ensina-as a olhar além da aparência gentil.
Por isso, nas aproximações, muitas se sentem como uma presa fácil diante do desconhecido. “Se eu disser “não quero”, ele vai parar? Se eu disser “pensando bem…”, ele usará da razão?”
Há situações em que mulheres escolhem roupas em função do medo, não da moda. Escolhem as palavras que lhes permitirão o acesso à porta de saída. Deixam o outro contar a história para evitarem perseguição ou morte.
E, mesmo se vitimadas, elas têm medo de denunciar seu agressor porque, sabem, provavelmente continuarão a ser agredidas dentro das instituições que deveriam protegê-las.
Uma mulher com dor pode ser continuamente humilhada: na delegacia, em que se colhe seu depoimento; nos exames para coleta de provas no seu corpo; nas teses criadas por advogados de defesa; dentro dos tribunais.
Mulheres criam subterfúgios. Printam a tela com a placa do táxi e enviam-na para a amiga, caso desapareçam na volta para casa. Deixam anotado o nome e o telefone do cara que conheceram pelo aplicativo, com algum confidente. Usam códigos para serem resgatadas numa situação de perigo – há, inclusive, bares com drinks que são código para chamar-se ajuda policial para mulheres em situação de vulnerabilidade.
Mulheres criam retaguardas. Porque sair, encontrar, voltar para casa, querer um drink, alegria, carinho ou sexo nem sempre é visto como normal.
Mulheres são criticadas por não terem um corpo padrão e são abusadas por terem um corpo sensual.
Mulheres são julgadas por demonstrarem interesse sexual.
Escondem a insatisfação para não serem chamadas de loucas. Disfarçam o tesão para não serem chamadas de putas. Censuram o envio de nudes e de declarações ousadas para que sua sexualidade, intimamente compartilhada, não vire instrumento para denegrí-las publicamente.
Mulheres sabem: não importa o quanto invistam em posturas morais, no primeiro enfrentamento, há o risco de serem chamadas de vagabundas, interesseiras, biscates. Às vezes, pelos que estão próximos: irmãos, amigos, maridos. Pior: por outras mulheres!
São os medos diários, os mais comuns. Sua irmã, sua namorada, sua amiga, sua esposa, sua filha, sua mãe os têm. Aprenderam a superá-los para amarem, viverem, brilharem, deixarem sua marca no mundo. Mas estão sempre lá. Junto com a bolsa e o batom, elas sempre os carregam quando saem para a rua. Eles sugerem a velocidade dos seus passos na calçada, ditam a hora de retornar para casa, reprimem sorrisos e olhares que possam ser mal interpretados. No fim dos dias, elas agradecem a proteção espiritual. Nos relacionamentos, permitem-se a idealização e o sonho. São gratas por sua força não ter permitido o apagar da sua fé. Elas não se deixam paralisar. São incrivelmente potentes. Seguem inteiras, exercendo suas vontades, seus desejos, seus talentos e seu credo. Há habilidades, olhares, frequências que só mulheres possuem.
Ser mulher é incrível.
Mas ser incrível é superar-se (e ao medo) diariamente.
ANA LÚCIA GOSLING