Política, Amazônia e gênero horror marcam o domingo na Estação Plural

Autora de A democracia na armadilha: crônicas do desgoverno, uma contunde reunião de textos sobre os ataques que o sistema democrático vem sofrendo nos últimos anos no Brasil, a jornalista Míriam Leitão abriu o terceiro dia de bate-papos na Estação Plural falando sobre sua trajetória no jornalismo iniciada nos anos 1970.

“Por ter vivido o período mais duro da ditadura militar, eu criei uma couraça. Mas mesmo assim, é difícil porque é muita mentira, e isso às vezes abala. Mas temos que seguir em frente”, disse a jornalista.

“É muito tentador se autocensurar, mas acho que temos resistido bem”, disse Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha de S. Paulo que virou alvo de fake news por seguidores do presidente Jair Bolsonaro. Ela é autora de A máquina do ódio: Notas de uma repórter sobre fake news e violência digital.

Especialista na cobertura de violência, Cecilia Olliveira também participou da conversa, conduzida pelo também jornalista Paulo Cesarino Costa. Cecilia relatou as ameaças que recebe por conta de seu trabalho, “muitos desses ataques relativos à minha imagem, à aparência, ao meu cabelo”.

“Na prática, o que essas pessoas falam, é: ‘você não deveria estar aqui’. Mas hoje há mais gente cobrindo segurança pública. É importante que a gente marque esses espaços”, disse Cecilia.

Decana da mesa, Míriam Leitão se emocionou quando Cecilia lembrou que a colega foi uma desbravadora na profissão, abrindo caminho para milhares de mulheres no jornalismo. “Fico muito emocionada com essa sua fala e me sinto muito esperançosa, porque hoje há um poder de resistência muito grande. Estar aqui é um ato de resistência. A Bienal e o livro fazem parte dessa resistência.”

Fantasia
Em um encontro marcado por autores que viveram ou vivem fora do Brasil, Karen Soarele, Raphael Draccon, Leonel Caldela e André Vianco conversaram sobre a globalização de livros e autores e as adaptações dessas obras para outros formatos de entretenimento.

Karen Soarele, uma verdadeira andarilha que morou em diversas partes do Brasil e também no Canadá, disse que seus livros têm a influência do deslocamento, “de personagens em busca de algo melhor para si. De um lugar para chamar de seu”, diz a autora de A deusa no labirinto.

Leonel Caldela morou por dois anos em uma cidade alemã chamada Osnabruque, que foi palco de importantes fatos históricos do mundo ocidental. “Decidi resgatar essa história da cidade sob o ponto de vista do estrangeiro que fui”, diz. “Esses anos lá transformaram minha forma de criar.”

Raphael Draccon, autor da trilogia Dragões de éter,concorda ser muito rica a experiência de circular fora do país, visitar museus, ver parte da história do mundo, mas diz que os “gringos” também se fascinam com as coisas do Brasil quando os autores de fantasia exploram esse universo. “Eles aprendem muito com nossa mitologia. Ficam fascinados com nosso imaginário. Imagine um americano tentando entender o que é o curupira”, disse o autor que vive na Califórnia.

Morador do “mundo fantástico de Osasco”, André Vianco enfatizou que hoje, com a tecnologia, streaming, etc., nos deu a possibilidade de experimentar um “choque cultural valioso”. “Hoje você pode sair daquele circuito americano e inglês de produções, e pode ver como é a realidade japonesa, nórdica ou de outro país através de uma série.”

“Mas independentemente de onde estiver e em que formato você trabalha, há uma coisa que não muda: a emoção. Ainda é preciso manter o leitor emocionado. Para isso, acredito que o escritor tem que estar na rua, escrevendo, andando, vendo e ouvindo.”

As peculiaridades das narrativas de horror renderam ótimas intervenções dos convidados – Foto: Bienal do Livro

Horror
Em uma mesa só com autores internacionais, a argentina Mariana Enriquez e os americanos Matt Ruff e Josh Malerman falaram sobre o espaço e as peculiaridades das narrativas de horror entre os gêneros literários. A conversa foi conduzida por Mariana Jaspe e Dennison Ramalho.

“Para mim, no começo foi estranho, porque não havia uma tradição de desse gênero na língua espanhola, diferentemente do fantástico. Então pensava em buscar uma voz”, disse a argentina, autora do elogiado Nossa parte da noite.

Matt e Josh falaram sobre seus livros Território lovecraft e Caixa de pássaros, respectivamente. Ambos os livros foram adaptados para o audiovisual. E eles se disseram muito felizes com as adaptações. “Foi uma das melhores coisas que me aconteceram”, disse Josh Malerman, cujo livro Caixa de pássaros virou um grande sucesso da Netflix, com Sandra Bullock no elenco.

“Fiquei muito orgulhoso de ver a série”, disse Matt Ruff, que teve o seu Território Lovecraft adaptado pela HBO.

Ao longo do papo, Mariana Enriquez aproveitou para falar da literatura brasileira, e demonstrou conhecer muitos dos nossos autores, além de músicos. “Gosto muito de Clarice Lispector, Hilda Hilst, Jorge Amado, Rubem Fonseca e Graciliano Ramos. Além de Caetano Veloso. O Brasil, para os argentinos, é a idealização de um sonho.”

Crime
Na esteira da mesa anterior, o romancista Raphael Montes e o jornalista Ivan Mizanzuk apresentaram suas ideias sobre “ficção e realidade no crime”. Conduzido por Carol Moreira e Mabê Bonafé, apresentadoras do podcast de sucesso Modus Operandi, o papo tratou de uma gama enorme de assuntos, como criação, o romance como retrato da sociedade, além da dicotomia “true crime X ficção”.

“Comecei a gostar de crimes por conta da literatura. O romancista Alberto Mussa tem uma frase que acho muito boa: ‘O que define uma sociedade são seus crimes’. E realmente, você pega os crimes americanos, muitos deles não são comuns aqui”, disse Raphael Montes, autor que foi elogiado pelo mestre do terror Stephen King.

Ivan Mizanzuk, “um designer que virou jornalista”, em suas palavras, ficou conhecido por ter narrado em podcast a história do menino Evandro Ramos Caetano, brutalmente assassinado no começo dos anos 1990 no litoral do Paraná. Ivan deu detalhes sobre seu trabalho investigativo, que deu origem à série da GloboPlay.

“Há uma grande diferença entre trabalhar com ficção e true crime. Se eu escrever um livro e der uma volta muito grande para dar uma informação, minha editora certamente pedirá para cortar aquilo. Mas na ficção é possível.”

Raphael Montes tem um parceria bem-sucedida com a criminóloga Ilana Casoy. Juntos, eles fizeram o romance Bom dia, Verônica, que também virou série e em breve terá uma segunda temporada na Netflix. “Aprendi muito com crimes reais. Acho que sou um escritor de ficção melhor hoje por causa disso.”

Amazônia no centro
A última conversa foi dedicada à floresta amazônica. A pesquisadora Monica Gagliano, a atriz e diretora Rita Carelli, a jornalista Eliane Brum e o ativista André Fernando Baniwa falaram sobre novas perspectivas para nossas relações com as plantas e sua biodiversidade.

“Antes de regenerar as plantas e as florestas, precisamos regenerar nossa cabeça, nossas ideias. Só aí poderemos salvar a biodiversidade”, disse Monica Gagliano.

Uma das jornalistas mais admiradas do país, Eliane Brum acaba de lançar Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo. No livro, ela faz um mergulho profundo nas múltiplas realidades da maior floresta tropical do planeta.

Com quase 35 anos de experiência como repórter, há mais de vinte ela percorre diferentes Amazônias. Em 2017, adotou a floresta como casa ao se mudar de São Paulo para Altamira, epicentro de destruição e uma das mais violentas cidades do Brasil desde que a hidrelétrica de Belo Monte foi implantada.

“Nesse momento os suportes de vida, os oceanos, as florestas tropicais têm que ter o seu lugar de direito, no centro do mundo”, disse, direto de Altamira, no Pará.

“A imprensa brasileira deveria estar cobrindo a Amazônia com muito afinco. Porque há uma guerra climática em curso, feita por milionários que destroem tudo com seu olhar colonizador. Quando se fala em Amazônia no centro do mundo, significa colocar no mundo outro tipo de pensamento.”

Fonte: Bienal do Livro

A Bienal do Livro do Rio acontece até o dia 12 de dezembro no Riocentro, zona oeste do Rio de Janeiro.

Horários:
sextas: 9h às 22h;
sábados e domingos: 10 às 22h;
segunda a quinta: 09h às 21h;

Ingresso: R$ 40 (inteira)/ R$ 20 (meia-entrada);
Compra online: https://www.bienaldolivro.com.br/;
Compra no local: bilheterias estarão disponíveis com ingressos limitados à venda;
Protocolo: uso de máscara será obrigatório, assim como apresentação do comprovante de vacinação.

 

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Jornalista por paixão. Música, Novelas, Cinema e Entrevistas. Designer de Moda que não liga para tendência. Apaixonada por música e cinema. Colunista, critica de cinema e da vida dos outros também. Tudo em dobro por favor, inclusive café, pizza e cerveja.

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