Coluna de ROSE ARAUJO
O SOL SE PÕE SEM PRESSA e o OC2 lotado nos conduz ao bairro do Barreto, onde se localiza a quadra do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Viradouro, palco incandescente da nossa terça-feira-pré-carnavalesca.
Ainda em ItaiPAZ, um clássico bate-bola entra no ônibus. Ele – ou ela, jovem ou não, casado ou não, triste, poeta ou sonhador, com ou sem emprego, boletos, férias, tios, avós, empréstimos ou quitação – acena com a cabeça, nos reconhecendo também foliões-fora-de-dia, em brilhos e purpurinas.
Os olhares voltam-se para aquele personagem, em raro momento de abstração de seus abduzíveis celulares.
A VIAGEM SEGUE e de dois em dois pontos, entra mais um bate-bola compondo a viagem, até colorirem o ambiente em máscaras de carnaval e de vida, de dias e de (re)existências. O bloco desce na Marquês de Paraná e despede-se de nós em tchaus de miss, caminhando ligeiro, a perder de vista.
LUIS E EU CONTINUAMOS O PERCURSO na expectativa do último ensaio de quadra, onde a comunidade pulsa ancestralidade, em coração vermelho e branco. O enredo Malunguinho, o mensageiro de três mundos reverencia Joao Batista, Malunguinho, líder e herói pernambucano do século 19, entrelaçando a força e a resistência das ccultura afro e indígena.
A entrada é gratuita e há profusão de gentes, risos, pressas, leques, petiscos e ambulantes. A bateria inicia o esquenta, trazendo o aclamado “Hoje o amor está no ar / vai conquistar teu coração / saudade não tem fim / felicidade sim / sou Viradouro sou paixão”, que ecoa, em uníssono, em quatro cantos da quadra, do bairro, da cidade, do Sambódromo, do país. E vai cadenciando, chegando de mansinho e pedindo passagem nesse que é o último ensaio pré Carnaval do ano. Somos contagiados pela história que pulsa em todas as alas dessa escola campeã de 2024, com o enredo Arroboboi, Dangbé e que continua nota dez em acolhimento.
AO LONGO DA NOITE ENCONTRAMOS O QUERIDO Célio Sumar (@celiosumar), o Cuiqueiro do Limão – por sempre levar uma caipirinha aos colegas – ritmista da bateria, ex colega do Luis na São Clemente, o qual conta-nos um pouco de seus trilhares e memórias. Segue abaixo uma pincelada do nosso bate-papo, sob as bênçãos de Momo.

Célio Sumar, o Cuiqueiro do Limão
Rose Araujo – ArteCult: Celio, partilhe um pouco com a gente as suas histórias e memórias, como foi o início do seu mergulho no universo das escolas de samba?
Celio Sumar – Rose, tudo foi acontecendo de uma forma natural, decorrente de um espírito carnavalesco que me habitava desde criança. Sempre saíamos fantasiados, dos blocos de Olaria aos bailes do Monte Líbano. Mas meu caminho de ritmista surgiu da iniciativa de formarmos um bloco do Botafogo. Eu e meus colegas resolvemos mergulhar em cursos de percussão na Batucadas Brasileiras, para embasarmos a futura bateria. Experimentei alguns instrumentos e fui seduzido pelo tamborim, que na verdade “me escolheu”. Sim, como dizia o então professor Robertinho Silva “é o instrumento quem nos escolhe” e desde a primeira aula já saí tocando e tocado pelo tamborim. Eis que, um dia, vejo o anúncio de um curso ministrado pelo jovem cuiqueiro Paulinho Bicolor, também professor e ritmista – atualmente no Salgueiro, que me incentivou a experimentar um novo instrumento: a cuica.
RA – Certamente dali você também levou grandes ensinamentos …
CS – Sim, Paulinho foi comigo escolher a minha primeira cuica e na vivência descobri que é um instrumento pessoal e intransferível: a grossura do gambito, a afinação, o tipo de gorgurão utilizado, tudo ao jeito, tempo e estilo do músico.
RA – Sim, e como foi o caminho entre o inicio nos blocos e a chegada às escolas de samba?
CS – Rose, se há 15 anos atrás falassem que hoje, esse folião da vida toda estaria tocando no grupo especial, na escola campeã do Carnaval, nem eu acreditaria. A minha estreia, por uma serie de coincidências, mistérios e magias, foi diretamente no Desfile das Campeãs, tocando cuica na Vila Isabel, há 13 anos atrás. Depois compus também o Império da Tijuca, Acadêmicos da Rocinha, Imperatriz Leopoldinense e cheguei à Viradouro há oito anos, ainda no grupo de acesso. Hoje posso dizer que estou integrado com os colegas cuiqueiros – somos 24 no desfile – com a Velha Guarda, com os integrantes de forma geral. É uma grande família, que se alimenta em encontros semestrais para contar, cantar e tocar a vida.
RA – É uma emoção vê-lo contar com tanta paixão e dedicação sobre sua vivência no mundo do samba. Celio, costumo perguntar aos meus convidados, sob o olhar da poesia sutil dos dias: o que te move, envolve e comove?
CS – Olha, Rose, para mim, tocar cuica (que também me escolheu!) é uma terapia valiosa, barata e agregadora. É valoroso o contato com os colegas, que agrega, enriquece e integra. O que me move é aprender mais e mais, aperfeiçoar, ouvir e observar os mestres, que abriram caminhos, em sua sabedoria de vida, transmitindo os preceitos. E a minha geração também se propõe a incentivar, mostrar, motivar novos músicos, em potencial.
RA – Tenho certeza que é uma experiência indescritível. Qual a expectativa para o desfile de amanhã, Domingo, da Viradouro?
CS – Esses dias são de TPC Tensão Pré Carnaval…risos. Até realmente chegar a hora, se vestir, concentrar e pisar na avenida, tudo é torcida, ensaio, projeção e expectativa.
Costumo dizer que a bateria é o coração da escola, sendo a única que desfila do início ao fim, pois abre e encerra o desfile. Pura ebulição! Há cansaço, dor, ansiedade, apreensão. Mas somos movidos também pela alegria e felicidade de passar por ali.
É tradição, poesia, cultura, história e emoção. É maravilhoso.Viva a cuica! Viva a bateria, viva o Carnaval!
RA – Celio, o portal ArteCult e eu agradecemos o bate-papo. Um viva à efervescência plural e multiartística do Carnaval, que narra e partilha a história do seu povo, em plena avenida.
Viva a Poesia da ViraD’Ouro …porque hoje é sábado e amanhã é dia de Oscar e também de desfile. Viva!
ROSE ARAUJO

Rose Araujo. Foto: Divulgação.
Adorei a entrevista!