“Eu vou vingar você, pai. Eu vou salvar você, mãe. Eu vou matar você, Fjölnir.”
Repetindo incessantemente essas palavras, o príncipe Amleth escapa de seu reino após presenciar seu pai, o Rei Corvo, ser assassinado pelo irmão Fjölnir, que por sua vez sequestra e se casa com a Rainha, tomando o trono.
Uma vez que a identidade de príncipe é deixada para trás, o jovem se junta a um grupo de mercenários bárbaros que inflamam seu lado selvagem ao invadir e saquear aldeias. Quando descobre que os eslavos recém capturados seriam escravizados por Fjölnir, Amleth decide se passar por um deles e cumprir as promessas feitas na infância.
A história do menino que precisa amadurecer precocemente frente à morte de seu pai, despertando a busca por vingança soa bastante familiar, não é mesmo? Com uma simples mudança de posição da letra h em “Amleth” para o início da palavra, temos o título da mais influente peça de William Shakespeare: Hamlet! As similaridades não são coincidência já que o autor inglês se inspirou no folclore escandinavo para contar a saga de seu herói. No caso de “O Homem do Norte”, a lenda dinamarquesa é apenas de onde germina a versão de Robert Eggers, que ganha complexidade ao introduzir elementos místicos provenientes da mitologia nórdica, somadas a heranças de ambas as obras literárias.
O Homem do Norte é o filme de maior orçamento já comandado por Eggers, que prometeu entregar o projeto mais empolgante e comercial de sua carreira. Pra receber o investimento do estúdio, precisou aceitar as exigências de corte na edição, o que descreveu como uma experiência muito dolorida. Mas ele sabia que era necessário para se aproximar ao gosto do grande público. Depois de ter se consagrado com filmes de terror independentes e peculiares, o diretor e roteirista entrega sua obra mais grandiosa ao mesmo tempo que mantém sua identidade ao abordar o sobrenatural e o oculto em ambientações fiéis ao local, época e cultura retratados. Ele afirma que apesar dos cortes, a versão final o deixou plenamente satisfeito.
” O Homem do Norte” é protagonizado por Alexander Skarsgård, que entrega de forma visceral toda a raiva e obstinação acumuladas no personagem, dedicação que se comprova com as impressionantes performances nas cenas de ação em plano-sequência, filmadas em perspectiva única e sem cortes. Além do ator sueco, o filme conta com elenco de peso composto por Nicole Kidman, Ethan Hawke, Björk e Willem Defoe, que volta a colaborar com Robert Eggers após o excelente O Farol (2019). Também retomando a parceria com Eggers está Anya Taylor Joy, que dá vida à Olga, personagem escrita com a própria atriz em mente. Anya estreou nos cinemas e ganhou destaque com o primeiro longa do diretor, A Bruxa (2015). A combinação dos dois deu tão certo que hoje Anya é uma das atrizes mais requisitadas de Hollywood e Eggers se tornou nome de referência no terror atual.
O estilo de Eggers pode não ser para qualquer espectador, mas sua ousadia faz a experiência ser tão fascinante quanto é perturbadora. O Homem do Norte é bastante gráfico e sangrento, ao mesmo tempo que tem uma fotografia belíssima que captura todo o estudo minucioso por trás do design de produção e figurino. É um filme que aborda a cultura Viking tanto na perspectiva mitológica quanto em suas batalhas brutais, o que normalmente é abordado de forma mais unilateral nos filmes e séries, sendo interessante acompanhar como uma influencia à outra.
” O Homem do Norte” traz personagens muito interessantes que poderiam ter seus históricos desenvolvidos e aprofundados, o que introduziria um ar mais inédito à familiar trama centralizada na vingança, mas esta falta não prejudica em nada sua coerência. O mais novo filme de Robert Eggers é imperdível para os fãs de épicos e mitologia nórdica, mas mesmo aqueles que simplesmente apreciam filmes bem produzidos poderão aproveitar bastante. No entanto, se você tiver estômago fraco, saiba que há bastante violência e cenas chocantes!
Cinthia Sayuri