Rafael Dragaud é o tipo de profissional que parece ter sido escolhido pela carreira, e não o contrário.
Tanto que, até para se apresentar, se coloca primeiro como o “pai do Antonio”. E completa: “Se você me perguntasse isso há 4 anos, eu jamais imaginaria que essa seria minha resposta, mas hoje eu adoro ser isso!”
Assim é esse diretor, roteirista e empresário do ramo de entretenimento.
Além de ter sido redator e diretor de vários programas da TV Globo, assumiu, há 2 anos, a direção do Criança Esperança. Mas, o que ele gosta mesmo é de gente, de se misturar em bailes charme, de entrar na casa de uma família nordestina, de conhecer e conversar com personagens diferentes de todos os lugares. E de aprender com todos, sempre.
Quando começou sua história com a TV?
Um amigo meu chamado Alexandre Kassin estava trabalhando nos ensaios de uma peça em que a Regina Casé dirigia o Luís Fernando Guimarães. Ele me disse que ela precisava de um assistente de direção e me indicou. Eu comecei a trabalhar com ela até o dia em que ela me perguntou se eu queria trabalhar na TV. Ela e Hermano Vianna tinham proposto um novo programa pra Globo, ainda era a época do Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, que foi vice-presidente de operações da TV até 1997), e a emissora tinha aceitado. Se chamava “Brasil Legal” e eu comecei a trabalhar com eles. O Brasil Legal rolou de 1995 a 1998. Eu comecei como assistente de redação a terminei como redator final. Essa fase foi muito bacana pra mim. Foram quatro anos em que eu conheci o Brasil inteiro de uma maneira muito peculiar, entrando nas casas das pessoas e olhando pra vida delas de uma outra forma. Uma vivência regional muito diferente do que vive um turista. Isso mudou minha forma de ver o Brasil e até mesmo de me perceber como brasileiro.
Você é diretor, roteirista, produtor… o que começou primeiro?
Comecei, na verdade, dizendo pras pessoas que eu era roteirista. Aí as pessoas começaram a me pedir roteiros, isso que me fez aprender a profissão, pois eu tinha que responder aos pedidos. Daí, quando eu comecei a fazer isso razoavelmente bem, passei a ter um certo nível de frustração com a realização de alguns diretores. Isso é, de certa forma, um sentimento estrutural do roteirista, pois você, inevitavelmente, visualiza uma direção ao escrever. Mas o diretor, coitado, não tem bola de cristal e realiza o que está na cabeça dele, e não na sua. Surge a frustração.
Daí, comecei a dirigir. E passei muito tempo fazendo as duas coisas. Hoje, roteirizo muito pouco. Escrevo apenas o suficiente pra deixar minhas ideias claras e para que elas se realizem com mais precisão junto à equipe. Meus créditos como produtor vêm do fato de que eu gosto de juntar pessoas e fazer as coisas acontecerem. Além de gostar, acho que tenho mesmo um certo talento pra isso.
Como conheceu o AfroReggae?
Conheci através do jornal AfroReggae Notícias, que circulou durante uma época. Ao virar as poucas páginas, era muito evidente que ali estava sendo anunciado algo relevante que estava por vir na cidade do Rio.
Você trabalhou também no “Muvuca” que foi, de certa forma, inovador para a época, ao tornar um programa de entrevistas mais diversificado, e ambientado em um casarão que era quase outro personagem do programa. Como foi essa experiência?
Eu odiava fazer esse programa! (risos) Fiquei insuportável nessa época, de tanto mau humor. Quando se decidiu fazer esse programa, eu fui voto vencido. Eu tinha uma ideia junto com o Estevão Ciavatta que era meio parecido com o que, mais adiante, virou o “Cena Aberta”. Eu queria continuar viajando pelo Brasil, não queria ficar ali naquela casa com celebridades em situações mega planejadas e produzidas. O Muvuca rolou de 1998 a 2000, eu atuei como redator final. Foi importante fazer e sobreviver, mas adorei quando acabou.
Com o passar dos anos, você passou a se envolver com o universo da cultura das comunidades, das favelas cariocas. Como isso aconteceu?
Isso começou quando eu era muito novo e a minha mãe começou a frequentar o Terreiro da Dona Rita, na Rua Um, na Rocinha. A gente morava na Gávea e minha mãe ia muito lá. Eu ia junto e, em pouco tempo, virei uma espécie de ogã-mirim do terreiro. Adorava bater no atabaque e ver todo mundo bolando no santo. Aquilo era muito excitante e muito envolvente e, de certa forma, iniciou minha curiosidade pela cultura afro-brasileira.
Depois de muitos anos, eu conheci um cara que até hoje é um grande amigo e que, de certa, levou essa minha relação com a favela a outro patamar de compreensão: Celso Athayde. Nós fizemos muita coisa boa juntos: festivais, premiações, documentários. É uma das parcerias mais produtivas e desafiadoras que eu tenho na vida. A gente fica anos sem se falar e se reconecta através de uma boa ideia num telefonema apressado de 3 minutos. E pronto: começa algo novo!
Recentemente, você foi diretor Artístico da Batalha do Passinho. O que foi este evento?
Eu fui convidado pra ser jurado dessa Batalha. Era algo pequeno e bem underground. Quando eu cheguei lá, no local da competição, no morro do Salgueiro, eu fiquei muito impactado com o que vi. Eram centenas de moleques dançando de um jeito que eu nunca tinha visto, mas não era só a dança, tinha uma atitude, um jeito de se vestir e de estar no mundo que eu nunca tinha visto. Era muito significativo!
Quando a competição daquele ano acabou, eu perguntei como eu poderia ajudar pra que aquilo não acabasse. Eles fizeram um novo projeto e eu apresentei na Coca-Cola para patrocínio. Quando a empresa resolveu de fato bancar o evento, eles me chamaram pra dirigir. Foi um presente pra mim, porque eu me sentia muito preparado pra fazer aquilo e queria empreender uma série de conceitos sobre cultura pop e popular. E tudo deu muito certo! Tanto que nunca mais consegui me separar dessa cultura.
A partir disso, o Dream Team do Passinho se consolidou. Como você explica o sucesso dessa garotada, tão nova e já com tanto talento para mostrar?
Acho muito natural que eles façam sucesso, já que são extremamente talentosos. O que não é natural é tanta gente talentosa e jovem ser boicotada por um governo sem política pra juventude de periferia. As pessoas não têm a menor ideia de como o Brasil poderia ser mais lindo ainda se parasse de abreviar os sonhos da juventude negra de favela. O que eu faço com o Dream Team é dar um tipo de apoio que num país sério quem dá é o governo.
Eu usei recursos pessoais para conseguir aula de canto, aula de dança, psicólogo, dentista, midia training e muito papo educacional. Hoje, o grupo anda financeiramente com as próprias pernas, graças a Deus e ao esforço de uma equipe, mas a coisa começou como um risco pessoal meu.
Quais são os desafios de dirigir grandes shows como o de Ivete Sangalo, no Maracanã?
No caso da Ivete, o desafio é não atrapalhar! (risos) Eu falo isso brincando e meio sério. Quando você trabalha com alguém desse nível de talento, você, no fundo, tem que apenas saber organizar os próprios ativos da pessoa. Você tem que mergulhar no universo que ela já criou em torno dela e propor algum tipo de evolução. Eu tenho vergonha de diretores que querem “desconstruir” seus artistas, acho isso bem cafona e equivocado.
Você foi o responsável pela criação do programa “Amor e Sexo”, revolucionário por conta do tema e da forma como é feito. Como nasceu esse projeto?
Nasceu de uma encomenda do Ricardo Waddington. Esse é outro cara que me desafia tremendamente. E tudo começou do zero: ele me pediu um programa de auditório para a Fernanda Lima e me passou alguns pilares da visão dele. Nos meses seguintes, eu trabalhei e entreguei três propostas pra ele. Ele negou as três! Até que eu fiquei meio puto e perguntei: cara, por que você me chamou pra fazer esse programa? Ele disse: não faço a menor ideia!
Eu pensei: esse cara é louco, eu tenho que arranjar uma solução. Daí, eu perguntei: será que tem a ver com uma vez que eu entrei errado numa sala, atrapalhei uma reunião que você estava e acabei mostrando o DVD de um filme que eu tinha acabado de fazer com o Euclydes Marinho chamado “Mulheres, Sexo, Verdades e Mentiras”? Ele pensou dois segundos e respondeu: Talvez… Eu falei: bingo! É isso! É um programa sobre sexo! Fui pra casa, elaborei essa proposta e ele finalmente aprovou! (risos)
Hoje, o programa está na 10ª temporada, se reinventou muitas vezes com o talento de muita gente, mas eu tenho o maior orgulho de tê-lo tirado da página em branco.
Você também escreveu o roteiro de “Minha Mãe é uma Peça, o Filme”. Trabalhar em cinema é muito diferente de fazer televisão?
É muito diferente! Mas não tenho dificuldade para notar essa diferença. Isso não significa que eu faça isso bem! (risos) Mas percebo claramente a distinção entre as duas linguagens. Quando eu fui chamado, já havia um roteiro escrito pelo Fil Braz e pelo Paulo Gustavo. Era muito engraçado, mas não parecia exatamente um filme, parecia uma sequência de esquetes hilárias.
Não tenho dúvida de que mesmo daquele jeito seria um sucesso de bilheteria. Foi, inclusive, o que eu disse pro Paulo na nossa primeira conversa – que teve um certo tom hilário de entrevista de emprego! (risos)
Eu disse que ele só precisaria de mim se ele quisesse ter um pouco mais de “dramaturgia fílmica”. Daí, eu trabalhei no roteiro ajustando as pontas, algumas lacunas na história, fortalecendo o plot, coisas estruturais mas, sinceramente, não me lembro de ter escrito uma piada sequer nos diálogos, essa parte foi toda do Fil e do Paulo, que são gênios dessa praia e têm uma cumplicidade criativa absurda.
Tem algum trabalho o programa preferido, que te deu mais prazer em fazer?
Tenho. Um especial de fim de ano da TV Globo, chamado “Ivete, Gil e Caetano”. Toda vez que vejo o DVD em casa ou no carro, eu choro de saudade de um mestre que eu tive, que me ensinou muito do que eu carrego como visão de TV, o Roberto Talma. Eu dirigi esse programa junto com ele. E fomos indicados a vários Grammy Latinos. Ele faleceu no dia 23 de abril de 2015 e eu penso nele toda semana.
Você se sente realizado?
Muito! A melhor coisa que eu fiz foi conseguir direcionar a minha vida pra coisas que, de fato, alimentam a minha alma. Acho que isso é raro e me sinto muito privilegiado de poder fazer quase tudo que eu quero no campo profissional.
Tem mais planos e projetos para desenvolver?
Mais do que eu deveria! Sempre me prometo ter mais tempo pra fazer exercícios, ler, ficar com minha família, mas invento coisas todo santo dia! Eu sou viciado em trabalho e nas sensações que ele me traz.