“O Brasil a caminho do Estado Novo”: Livro de Thiago Mourelle traz uma perspectiva preciosa dos anos 30

Através do convite de Maria Helena Mossé, neta de Pedro Ernesto Baptista, o personagem histórico principal do livro de Thiago Cavaliere Mourelle, soube do lançamento de “O Brasil a caminho do Estado Novo”, ocorrido em 02.10.2019, na 7Letras em Ipanema (RJ).

Pedro Ernesto Baptista, vale esclarecer, é considerado por muitos o melhor prefeito do Rio de Janeiro. O autor do livro me diz:

“Era um médico que atendia os pobres gratuitamente, de 1931 a 1936, e, tendo se tornado prefeito, fez uma administração voltada para a área social: construiu 8 grandes hospitais públicos, 30 escolas (entre elas, a primeira numa favela, na Mangueira) e pôs em prática as leis trabalhistas na cidade (antes da criação da CLT). Teve 80% dos votos na eleição de 1934.  Cotado para a presidência da república nas eleições que ocorreriam em 1938, foi visto por Getúlio Vargas como um possível concorrente a “pai dos pobres”. Foi preso por ordem de Getúlio Vargas”.

Sua narrativa navega exatamente entre os anos de 1936 e 1937, expondo a trama política do período às vésperas da implantação do Estado Novo.

O livro é resultado de uma pesquisa de anos realizada por Thiago Mourelle, atualmente, supervisor da equipe de pesquisa do Arquivo Nacional, editor da Revista “Acervo” na mesma instituição e voluntário na ONG Educafro. Thiago possui pós-doutorado em História Política pela UERJ e doutorado em História Social pela UFF e, estudioso do Brasil Republicano, debruçou-se dedicamente sobre a vida política e o legado de Pedro Ernesto, ex-prefeito do antigo Distrito Federal, tendo já publicado, também, o livro “O trabalhismo de Pedro Ernesto: limites e possibilidades no Rio de Janeiro dos anos 30”, baseado em sua dissertação de mestrado.

Os títulos e a vivência acadêmica são apenas um dos aspectos mais interessantes da escrita de “O Brasil a caminho do Estado Novo”. A pesquisa histórica e a expertise do olhar do escritor moldam a narrativa e nos trazem uma perspectiva preciosa dos fatos ocorridos no Brasil na época retratada. Mas o encontro entre a neta Maria Helena e o autor proporcionou à tessitura do livro um elemento humano e concreto enriquecedor: ao acesso às cartas de família escritas a Odilon, filho de Pedro Ernesto.

Thiago Mourelle, então, conseguiu de forma competente, curiosa e delicada, tecer um paralelo entre a efervescência social do momento que é tratado no livro e o drama familiar no universo particular do personagem principal. Diz o autor na introdução:

“Este trabalho foi construído com o intuito de apresentar não apenas os acontecimentos que vão desde o início da repressão à chamada Intentona Comunista, em novembro de 1935, até o golpe do Estado Novo, mas também oferecer ao leitor a experiência de tentar compreender todo o sofrimento e ansiedade de uma família que sofreu por mais de um ano com a prisão de seu pai e marido. Tensões e alegrias perpassam as linhas das cartas, que nos incitaram a construir da maneira a mais fidedigna possível o ambiente político conturbado e a revelar as perseguições vividas por Pedro Ernesto e familiares às vésperas da decretação da ditadura estadonovista”.

Há, ainda, outras correspondências citadas no livro, como, por exemplo, a trocada com o general Eurico Dutra e outros colegas de farda, e trechos do diário de Getúlio Vargas.

Thiago Mourelle cedendo entrevista sobre o livro para o jornalismo da TV Band.

São esses elementos reais, recolhidos de um contexto verdadeiramente humano, por vezes frágil, dos personagens históricos citados, que fazem, para mim, a mágica do livro, no momento em que se somam à parte técnica e estruturada da pesquisa do autor. É ler sobre a prisão de Pedro Ernesto, publicamente conhecida, e ler uma confissão íntima feita a seu filho que faz com que a História provoque nossos sentimentos em camadas mais profundas, num nível de empatia e experimentação, saindo do espaço da abstração intelectual para ganhar a forma amorosa na lembrança de uma família. Uma família como qualquer família, inclusive a nossa.

Trecho da carta do ex-prefeito Pedro Ernesto a seu filho Odilon Baptista

O personagem deixa de ser uma referência histórica para tornar-se uma referência humana. Isso nos empurra a reflexões menos conceituais e mais pessoais. Como no trecho abaixo:

“Não podes imaginar o que seja uma noite em um cárcere, é de destruir todas as resistências nervosas, liquida com todas as forças que dispomos, eu tenho sido um herói e há momentos que tendo a desanimar, mas felizmente reajo, e estou vencendo”. (Trecho de carta de Pedro Ernesto a Odilon Baptista, seu filho, em junho de 1936).

Vale dizer que Thiago Mourelle faz mais: escreve um livro que não é só para “iniciados”, não se reduz aos nichos acadêmicos ou a leitores exclusivos de História do Brasil. Seu texto não é hermético; ao contrário, possui um diálogo aberto com qualquer um que tenha a curiosidade de conhecer sobre esse momento histórico. A leitura é prazerosa. O autor produz, através de “O Brasil a caminho do Estado Novo”, literatura histórica, nada ficcional, com a junção de elementos valiosos: documentos comprobatórios, conhecimento especializado sobre a matéria e depoimentos reais, íntimos, feitos “para as paredes” e não “para a platéia”, através das cartas. Do livro de Mourelle, escorre profunda verdade. Leitura imperdível, independente do credo político.

VEJA REPORTAGEM DO JORNAL DA BANDEIRANTES SOBRE O LIVRO:

 

 

 

 

SINOPSE

Fruto de minuciosa pesquisa, este livro reconstrói um momento importante da história recente de nosso país. Partindo das cartas de Pedro Ernesto Baptista, prefeito do Rio de Janeiro – então Distrito Federal – por dois períodos na década de 1930 e depois preso sob o governo Vargas, o historiador Thiago Cavaliere Mourelle investiga a fundo as tramas de nossa política às vésperas da implementação da ditadura do Estado Novo, no final do ano de 1937. Sob a égide da repressão ao comunismo, foram realizadas na época numerosas prisões que tinham como alvo desde os trabalhadores mais simples até autoridades públicas conhecidas e influentes – entre elas Pedro Ernesto, político carismático e importante personagem no cenário nacional, cuja memória esta obra ajuda a resgatar.

 

SERVIÇO

Livro – “O Brasil a caminho do Estado Novo – As cartas de Pedro Ernesto e a trama política que antecede o golpe (1936-1937)”

Autor: Thiago Cavaliere Mourelle

Editora: 7Letras

Informações Adicionais:

Número de páginas 176
Ano 2019
Formato 15,5 x 23cm
Edição 1ª edição
Número da revista
ISBN 978-85-421-0810-1

 

 

 

Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, no ArteCult, há crônica nova da autora, que integra o projeto AC VERSO & PROSA junto de Tanussi Cardoso (poemas) e César Manzolillo (contos). Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

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