Minha primeira crônica de 2025

Coluna de Márcio Calixto

 

A primeira crônica do ano deveria ser especial. Algum tema de profunda reflexão sobre processos de mudança que devemos sempre praticar nesse momento em que números mudam, criam-se novos sentimentos e devemos, assim, reviver esperanças e desejos. Alguém já o deve ter feito. É claro, também, que alguém, nessa específica data do ano já deve ter publicado algo renovador e singular.

Lembro de Fernando Sabino, este que uma vez escreveu sobre o sentimento de se esperar uma crônica a surgir, ele em uma mesa de bar, tomando um café, até ver uma família simples comemorando de forma simples o aniversário de uma menina, com seus poucos anos de idade. O sorriso dela, aquele esplendor, trouxe-lhe a crônica. Drummond escreveu um poema para a sagacidade daquele que industrializou a esperança ao criar o ano. “Aí, entra o milagre da Renovação / e tudo começa outra vez, com outro número / e outra vontade de acreditar / que daqui para diante tudo vai ser diferente.”

Quando atingimos certa idade, passamos a deter o desafeito das constantes reflexões. Caminhando para a idade das desesperanças, apenas a de ter a chance a uma aposentadoria, poder passar mais tempo lendo e escrevendo. Algum luxo para uma vida sem luxos, só luxações cotidianas. Claro, é lindo ver filhos crescendo, tomando rumo, seguindo uma brevidade de sentimentos positivos pelas adequações ao exercício pré-fabricado de sonho que detemos. No entanto, há tempo penso em escrever sobre uma placa de MDF que tenho pendurada na porta de meu apartamento. É uma citação de Drummond, ele de novo, tão infinito que conseguiu sintetizar nosso sentimento de mundo. É um trecho do poema chamado “Definitivo”. Aqui eu o coloco todo, pois vale cada verso.

“Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor?

O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.

O sofrimento é opcional…”

Na minha porta estão estilizados as três últimas estrofes. No último ano, tornou-se recorrente eu ler o que ele nos ensina para poder suportar o mundo. Não que seja insuportável, mas o tempo é senhor. Saborear que a dor é inevitável coloca sim um senso de prontidão. O sofrimento é parte de uma escolha em querer sofrer. Penso que aqui está a primeira crônica de 2025, a opcionalidade do sofrimento.

2025 se inicia. Para alguns, ano de profunda mudança. Para outros, como eu, ano de se tocar o barco. Como tenho feito há muito tempo. Claro que perpetrei mudanças para mim, algumas que eu já ansiava há algum tempo. Por ser um espaço para reflexão, ir-me-ei expor mais na crônica. Nesta, em especial.

Primeiro, queria trazer minha matrícula para mais próximo de casa. Sou professor da rede municipal e quando me mudei para a Zona Oeste, aqui em Jacarepaguá, a escola onde eu trabalhava passou a ser a mais distante. Depois de 3 anos tentando, consegui, ou seja, o ano não será mais apenas de continuidade. Será de algo novo. Porém, não tenho mais a dualidade de sentimentos que podem vir com o novo.

Segundo, perdi emprego. Fui demitido de uma escola da Zona Norte e isso me pegou de surpresa. Mal sabia a escola que eu não pretendia continuar nela. Veio-me a tristeza pela demissão. Mexeu internamente comigo, principalmente pelas pessoas envolvidas. A demissão final está nas relações. Preferi o silêncio depois de tudo, queria ter saído sem criar feridas. Só que não foram possíveis.

Terceiro, um baque. Uma outra escola reduziu minha carga e meu valor de hora aula. Essa, sim, me pegou de surpresa. Preciso repensar contas. Caso eu não consiga ser contratado por outra escola, eu terei problemas. Não serão problemas novos. São fáceis e contornar, mas me trarão dois anos de dor de cabeça para conseguir resolver. Nada que eu já não tenha feito com minha vida. Esse será o ano de 2025, começando com o pé nos peitos.

Retorno a Drummond. O seu “Definitivo” é magistral. Ele me reconforta em não ceder a chantagens falaciosas e poder encarar as rebarbas do mundo com singeleza e estoicismo.

Não é hora de me entregar às flutuações sentimentais como já o fiz em outros momentos da vida. A dor é inevitável. Isso é certo. O Sofrimento não. É opcional. Hora de optar pela luta.

Que venha 2025.

 

MÁRCIO CALIXTO
Professor e Escritor

Márcio Calixto. Foto: Divulgação.



Coluna de Márcio Calixto

 

 

Author

Professor e escritor. Lançou em 2013 seu primeiro romance, A Árvore que Chora Milagres, pela editora Multifoco. Participou do grupo literário Bagatelas, responsável por uma revolução na internet na primeira década do século XXI, e das oficinas literárias de Antônio Torres na UERJ, com quem aprendeu a arte de “rabiscar papel”. Criou junto com amigos da faculdade o Trema Literatura e atualmente comanda o blog Pictorescos. Tem como prática cotidiana escrever uma página e ler dez. Pai de dois filhos, convicto morador do Rio de Janeiro, do bairro de Engenho de Dentro. Um típico suburbano. Mas em seu subúrbio encontrou o Rock e o Heavy Metal. Foi primeiro do desenho e agora é das palavras, com as quais gosta de pintar histórias.