MF DOOM: O “Doutor Destino” do HIP-HOP

Foto: AdrianoBE

 

MF Doom é um dos maiores expoentes de uma vertente do hip-hop cujas letras das músicas são inspiradas em personagens dos quadrinhos, assim como faz a banda West Coast Avengers (Vingadores da Costa Oeste). No caso de Doom, a inspiração vai mais além. Ele se apresentava em público usando a máscara de ferro do Doutor Destino e seu próprio nome artístico é uma homenagem ao vilão da Marvel Comics. As capas e os encartes de seus discos também costumam utilizar a linguagem dos gibis.

Com uma identidade inconfundível, ele se destacou pelo seu flow único, vocabulário extenso, lírica versátil, produção afiada e muitas referências de cultura pop. Mas antes de reconhecer DOOM como a lenda que ele se tornou, a gente precisa entender toda a sua trajetória…

Daniel Dumile nasceu no começo dos anos setenta em Londres. Sua ligação com o rap começou quando sua família foi pra Nova York, ainda durante sua infância. Foi lá que Daniel e seu irmão mais novo, descobriram o hip hop e criaram o hábito de gravar as músicas que tocavam na rádio. Com o passar do tempo, os dois entraram de de cabeça nesse universo e, ao lado de um amigo, criaram um grupo chamado KMD, “Kausando Muito Dano” na tradução em português. Esse grupo começou fazendo graffiti e performando break dance, mas eventualmente também aderiram ao rap, onde se destacaram mais.

Mas os nomes dos irmãos não eram tão impactantes pro meio do hip hop, então eles decidiram adotar nomes artísticos: Daniel se rebatizou como Zev Love X e seu irmão se tornou DJ Subroc. Em 1991 eles foram contratados pela Elektra Records e gravaram seu primeiro disco, Mister Hood, que fez um sucesso moderado. O carro chefe do disco era a música “Peachfuzz”, que teve seu clipe exibido na MTV americana.

Quando faltavam só duas músicas pra encerrar a produção de Black Bastards, o irmão de Daniel morreu tragicamente após ser atropelado por um carro, enquanto tentava atravessar uma rodovia. Subroc tinha apenas 19 anos. No enterro, eles colocaram ao lado do caixão um boombox tocando Black Bastards, a última contribuição artística que ele deu ao mundo. Como se não bastasse o luto, Daniel teve que lidar também com a frustração profissional. A gravadora que assinava o grupo se recusou a lançar o álbum, pois achou que, devido a capa controversa e os temas raciais abordados nas músicas, o disco não teria um apelo com o grande público.

(foto: pinterest.com )

De luto e frustrado com a indústria, ele decidiu abandonar o hip hop. Entre 1994 e 1997, Dumile passou a viajar entre Atlanta, cidade que sua família estava morando, e Nova York, onde ele não tinha casa e vivia como um morador de rua, dormindo pelas praças.Enquanto isso, uma versão pirateada de Black Bastards corria pelas ruas, ajudando a estabelecer Dumile no cenário do hip hop underground, algo muito similar aconteceu com a famosa fita demo perdida do Black Alien e Speed Freaks.

No final dos anos 90, numa sessão de poesia com microfone aberto, Dumile se apresentou pela primeira vez desde a tragédia com o irmão. Dessa vez usando um novo vulgo: MF DOOM. Não é muito difícil de entender de onde “Doom” vem, já que o nome dele é Dumile e o apelido sempre foi esse, mas também tem uma outra camada de significado aí. Já o MF tem outra origem. Um amigo sugeriu que ele colocasse essa sigla, que tem o significado de “mad flow”. Ele adotou a sigla, mas da sua própria maneira. Como nessa época ele usava uma máscara pra cobrir o rosto e manter seu anonimato, o MF pra ele significava “metal face”, em referência a sua máscara de metal que com tempo teve uma evolução.

(foto: pinterest.com )

O rapper sempre foi fã de quadrinhos e foi justamente nos vilões da cultura pop que ele encontrou as principais referências pro seu alter-ego no rap, em especial o arqui-inimigo do Quarteto Fantástico: o Doutor Destino, ou Doctor Doom. Essa máscara mais famosa é inspirada no personagem Maximus, do filme Gladiador, e se tornou seu símbolo oficial e seu rosto a partir daí. Ela representa tanto a identidade de DOOM, que ele nunca foi visto sem máscara em nenhuma aparição pública.

“ O personagem MF DOOM é uma combinação de todos os vilões através dos tempos. O vilão clássico que usa uma máscara no estilo do Fantasma da Ópera. Claro que tem uma pitada do Dr. Doom, assim como do Destro do G.I. Joe. É um ícone da cultura americana. Eu meio que fiz uma mistura de todos os vilões e como meu sobrenome é Dumile, todo mundo costumava me chamar de “doom”. É uma paródia de todos os vilões.” DOOM.

(foto: pinterest.com )

Seu primeiro disco nessa nova fase foi Operation Doomsday, lançado em 1999. Nesse álbum já vemos muito do que viriam a se tornar traços característicos do estilo do DOOM, desde a produção dos beats que trouxe muita influência do trabalho do seu irmão como produtor, às rimas ácidas e diretas. Talvez esse seja o trabalho menos ousado de Dumile, mas mostra uma clara evolução entre o que foi Zev Love X e o que se tornou MF DOOM. A capa traz uma versão alternativa do vilão Doutor Destino e vários dos samples do disco são de uma antiga animação do Quarteto Fantástico, acentuando o lado nerd e vilanesco do MC.

Desde o lançamento de Operation Doomsday, o personagem MF DOOM fez um triunfante retorno com o álbum MM…Food? em 2004, lançado pela Rhymesayers. A aventura culinária de MF DOOM não foi tão bem recebida pela crítica como o Madvillainy, porém os fãs elogiaram o álbum pela riqueza das letras e por ter um DOOM mais fanfarrão, além de saudarem o retorno dele no comando da produção, como nas ótimas faixas “Hoe Cakes” e “Rapp Snitch Knishes”.

Com o MM…Food?, DOOM voltou a trabalhar com o artista Jason Jägel. Junto com a Frank 151, DOOM ajudou na curadoria de dois vídeos de animação, celebrando o melhor dos seus meticulosos trabalhos visuais.

Foto: (printerest.com)

Atingindo um status relativamente cult com o Operation:Doomsday, DOOM manteve seus fãs ao trabalhar com diversos outros pseudônimos. Em 2003 ele colaborou com vários produtores, incluído o RJD2 para lançar Vaudeville Villain, assinado pelo personagem Viktor Vaughn. O mesmo ano também foi marcado pela aparição do King Geedorah, um alter ego que ele usou para produzir o LP Escape From Monsta Island! do grupo Monsta Island Czars, assim como o LP do mesmo grupo denominado Take Me to Your Leader. De acordo com DOOM, o último foi um álbum conceitual:

Geedorah é um monstro espacial. Ele não é da terra. Eu fiz diferente de propósito. Foi uma mistura de letras e instrumentais da hora. Para mim é muito mais legal do que qualquer outra porcaria de agora…O álbum todo é a perspectiva que o alien Geedorah tem sobre os humanos.”

 

O encontro do produtor Madlib com DOOM para a criação do Madvillainy resultou em um dos álbuns mais bem sucedidos da história do hip-hop. Lançado pela Stones Throw Records em 2004, o álbum foi aguardado ansiosamente pelos fãs e acabou atraindo um público muito mais amplo do rap, sendo também muito elogiado por publicações mainstream de música.

Com o lançamento, a esmagadora maioria dos críticos elogiaram o uso de faixas mais curtas que juntas contabilizavam 45 minutos, assim como o retorno mais melódico de DOOM e Madlib. Tempos depois, em uma entrevista para a HipHopDX, DOOM citou Madlib como uma das suas maiores inspirações, elogiando sua parceria com ele:

“ A coleção de discos do Madlib é absurda e esse cara tem uma ética de beats [beat ethics] maluca. Às vezes os produtores costumam ficar muito técnicos e falam coisas como “Aumenta um pouco mais a caixa, não, calma, agora diminui um pouco.” Mas esse cara? Ele chega e manda “Pega o disco. Deixa eu colocar as batidas. Isso é o loop. Deixa eu colocar a bateria agora.” Ele só faz essas coisas e o cara tem centenas de batidas assim.” DOOM.

Não dá pra falar de MF DOOM sem citar a sua legião de fãs, muitos deles beatmakers, rappers, músicos  como Tyler The CreatorThom Yorke (Radiohead), Jay Electronica, Kanye West, Westside Gunn, Lloyd Banks, Vince Staples, Q-Tip, Kehlani, Travis Barker(Blink-182), Damon Albarn (Gorillaz)  e entre outros. 

FRONT DO JEFF

MF DOOM junta 3 coisas que eu gosto muito (cultura pop, HQ e HIP-HOP) além de samples do quarteto fantástico  e outras animações da  Marvel. Ele é muito versátil nas suas composições, traz aquelas batidas anos 80 das discotecas e um beat muito envolvente.

Minhas Musicas favoritas são: 

  1. Books of War
  2. Figaro
  3. Old Fashioned
  4. Benzie box
  5. All Caps

JEFF FERREIRA

Jeff Ferreira. Foto: Divulgação.

 

 

 

 

 

 

Author

Jeff Ferreira é baixista, nerd e nas horas vagas roadie Escreve sobre música, pautas de entrevista há 5 anos. Colaborador da Rock FM Brasil (https://instagram.com/rockfmbrasil), Garagenroll e trabalha com bandas do interior e da grande São Paulo.

One comment

  • Conseguiu sintetizar tudo que há de bom num explicação didática e gostosa de se ler, parabéns, Doom viverá para sempre, sua obra é atemporal assim como sua vilania.

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