Sempre tive Martinho da Vila como um dos artista mais preciosos do meu país e parece que não sou só eu que reconheço isso, afinal, na categoria, ele é o mais premiado. E não poderia ser diferente disso, afinal o cantor e compositor tem excelência em tudo que faz.
E claro que isso chegou ao teatro, no entanto, trazendo uma grande festa aos palcos, deixando todos os espectadores deslumbrados/boquiabertos com as cadências musicais e estética visual, sem contar com as performances dos artistas cênicos. Uma festa de cores e de elegância, é o que posso dizer.
O espetáculo inicia com a história do menino Martinho e sua africanidade, os conceitos da religião de matriz africana, do seu credo, sua fé…
Após esse “prólogo”, a vida do artista chega as cenas, e começa o espetáculo de cores e alegria, posso dizer de pura vitalidade. Na cena, a dramaturgia bebe dessa fonte que Martinho mergulhou, uma festa rica do povo brasileiro, a Folia de Reis. A festa representa a peregrinação dos três reis magos a caminho de Belém para exaltar o menino Deus. É uma festa colorida, com a cara do Brasil, uma festa interiorana, mas que resiste e que hoje conquista os centros urbanos, pela beleza que carrega, pela defesa cultural de um povo. E daí começa a força dessa montagem teatral. Uma explosão de cores, fitas e artistas brincantes, eles descem do palco, uma ideia genial, entendendo que estamos falando de uma festa que é uma manifestação popular, também religiosa, festa da fé, então precisa-se que aconteça no meio dele.
Nessa hora podemos reconhecer a genialidade do figurinista Claudio Tovar, que simplesmente soube trazer a simplicidade e a elegância sem pecar. Ele consegue atingir duas características diferentes/opostas, exatamente por isso temos um gênio, um artista que captou o homenageado, que tem simplicidade e, ao mesmo tempo, elegância nos seus feitos. Claudio mergulhou em tudo sem escorregar, foi fundo onde devia ter ido, não há um arranhão em suas indumentárias, contou com um grupo grande de profissionais e alcançou os céus, isso é, sem sombras de dúvidas, uma das maiores verdades dessa obra cênica. Cores, tecidos africanos, turbantes, coroas, palhas, brilhos, tudo bem traçado para nos enfeitiçar. Um alquimista indumentário!
“Já tive mulheres de todas as cores
De várias idades, de muitos amores”
Todos os amores foram retratados, contando assim um pouco da vida pessoal do artista, tudo respeitosamente, sem comprometer a imagem do Martinho.
As parcerias também foram trazidas aos palcos, e nessa hora o artista que encarna Martinho da Vila, também faz a Performance do eterno Jamelão (cantor da Mangueira), o imenso Alan Rocha conquista toda a plateia, aplaudido em cena, e levando o diretor teatral reconhecidíssmo Tadeu Aguiar, a aplaudir de pé, certo ele, como não ser devoto do artista? Como não ovacioná-lo ainda em cena? Tudo no artista parece ser equilibrado, suas expressões faciais, expressões corporais, comicidade e voz, Alan Rocha estava no prestigiado filme “Ainda Estou Aqui”, em novelas, premiado pela APTR, por sua arte cênica no espetáculo “A Cor Púrpura” e no carnaval lá está ele, em um dos maiores blocos de Carnaval do Rio de Janeiro. Durante a pandemia, ele esteve comigo em uma live, ele trouxe a realidade dele para os ouvintes, ele dizia das dificuldades de sair da periferia para ensaiar na Zona Sul. Alan era professor, lecionava, era querido pelos seus colegas de trabalho, que hoje enchem-se de orgulho ao dizer: trabalhei com ele. E hoje posso afirmar que o professor é nossa pérola negra do teatro! Viva!
Tudo no Alan/Martinho está gostoso de se ver, está de verdade, carrega beleza e amor, amor pelo ofício, amor pelo samba, amor pelo palco, amor pela vida, afirmo que a escolha de trazer o artista foi um acerto, um tiro ao alvo de marca olímpica.
Sem contar a Anastácia Lia, que desmorona nossas estruturas ao abrir a boca. Atriz deslumbrante, tenho vergonha de dizer que não a conhecia, mas como estamos ouvindo nos últimos dias como a vida presta, a vida se encarregou de me apresentar a ela, e eu? Agradeço!
Rafael Machado assinou a coreografia, ele se comprometeu em fazer bem feito, os corpos voam, dançam, marcam com tanta alegria, posso dizer que os corpos se transformaram em brilho, detalhe, houve um trabalho muito relevante com a direção, pois se notam as expressões faciais enquanto os artistas dançavam, nada foi desperdiçado. Todas as cenas tinha brilho, eram feitas para que nós espectadores ficássemos de joelhos e ficarmos em estado próximo a um nirvana africano. Belíssimo Rafael!
A cenografia de Zezinho Santos e Turíbio Santos, tem estruturas imensas, planos onde os artistas se movimentavam, auxiliavam em projeções para as cenas, mas o que me chamou atenção foi o fundo com tecidos ou pinturas africanos, que com a iluminação trazia requinte para o palco.
Felipe Miranda, apresentou um desenho de luz bem vivo, vivíssimo, a iluminação bailava ou sambava com as músicas, muito movimento, luzes dançantes e vibrantes.
Como falar de um musical sem falar da direção das músicas? Os arranjos? Primeiro gostaria de agradecer pelo repertório escolhido, estávamos lá para isso, ouvir Martinho e ouvimos os clássicos que fazem parte da vida de milhões de brasileiros. Nunca gostei de musicais quando trazem desconfigurações dos arranjos musicais em suas originalidades, no entanto, Josimar Carneiro, soube seguir o caminho certo trazidas por uma criatividade que pulsa em sua musicalidade.
No segundo ato, os artistas trazem uma canção belíssima, onde os corpos em movimentos desenham uma roda, com gritos ou saudações dos orixás. A iluminação também contribuiu com essa maravilha de cena. Foi como um vento forte chegasse ao palco e trouxesse em uma poeira uma força espiritalizada de outro plano, algo magnífico. Quanta brasilidade assisti nesse espetáculo, de dança, som, batuques e a gente, o material humano que traça projetos e alcançam patamares inesperados em nossos corações, em nossas memórias afetivas.
O idealizador é uma bomba em seu fazer artístico, que com suas ideias nada pífias já voltará com Fafá de Belém e os 100 anos da Mangueira. Que Deus me mantenha viva para poder prestigiar as ideias do Jô Santana.
A direção foi boa, se foi ela que escolheu os artistas, pode-se dizer que foi abençoado pelos orixás, porque são eles que abrem os caminhos para o seu povo, aqueles que os defendem, anos após anos, mesmo diante de tanto racismo, nunca deixaram com que a fé deles minguassem com o tempo!
Kizomba
Sacerdote ergue a taça
Convocando toda a massa
Neste evento que congraça
Gente de todas as raças
Numa mesma emoçãoEsta Kizomba é nossa Constituição
Claro que o samba de 1988 foi para o palco, um dos sambas mais cantados do país pertence ao Martinho, em um ano difícil para aquela escola, veio o campeonato, suponho que isso tenha uma relação belíssima com o ser Martinho, que aprendeu no início de sua história, que a cultura do povo não precisa de grandes holofotes, mas sim animação, a cultura intrísica que está nos negros, nos brasileiros, de todas as raças, fato. Nesse momento o gênio Tovar e o Josimar Carneiro triunfaram junto a esse campeonato na Apoteose do samba, com indumentárias que nos fizeram viajar no tempo e arranjo musical digníssimo. Arrepiou a plateia!
Findo aqui, feliz por ter assistido uma obra prazerosa, infinda em minha alma.
Essa é uma pequena contribuição de mais um dos portais que temos por aí, que servem inclusive para auxiliar artistas em seus portifólios e orientar os nossos seguidores que são frutos orgânicos dos nossos trabalhos sem remuneração, mas com o amor que temos pela cultura do nosso país.
O que falar de Martinho da Villa? É tanta coisa que nunca mais encerraria o texto! Martinho foi condecorado e muitas vezes premiado, um verdadeiro Griot do samba, o que podemos fazer disso um bom teatro, entendendo a força dessa contação de histórias que os griots fazem em suas vidas. Em 2022, fui idealizadora e curadora da exposição Radio Negro no MIS – Museu de Imagem e Som que seguiu para a CEFET, na Tijuca. Nessa exposição, eu contava a história das vozes negras que também fizeram parte da história do rádio no Brasil que naquele ano completava 100 anos da sua primeira transmissão radiofônica, comemorando os 100 anos de Independência do nosso país, e claro que foi ali diante de muitas pesquisas que eu soube mais do Martinho.
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Fui a curadora da exposição que esteve em cartaz no Museu da Imagem e do Som (MIS) até fevereiro de 2024 e foi cedida, temporariamente, à Galeria Cubo de Vidro
Sem contar que em 2014, Martinho tomou posse na Academia Carioca de Letras e ainda deixa Mart’nália e Mayra, grandes artistas da música, um legado que merece todas as homenagens.
Nesse mesmo ano, desfilei na Vila, foi a minha primeira vez na avenida e sei que estava no lugar certo, embora Tijucana, salgueirense, Martinho é minha referência de infância, lembro da mãe limpando a casa e ouvindo no rádio gente como Ivone Lara, Almir Guineto, e claro que Martinho. Ela, o cigarrinho e o cheiro de faísca no ar, com canções deles e muitos outros artistas do samba. Afirmo que essas lembranças são como jóias guardadas em uma belíssima penteadeira de madeira talhada, estilo antigo de móvel, que duram por séculos.
Partideiro, partideiro, ó
Nossa Vila Isabel brilha mais do que o Sol
Canta, negro rei, deixa a tristeza pra lá
Canta forte, minha Vila, a vida vai melhorarPartideiro, partideiro, ó
Nossa Vila Isabel brilha mais do que o Sol
Canta, negro rei, deixa a tristeza pra lá
Canta forte, minha Vila, a vida vai melhorar
Naquela noite, digo madrugada, vi a apoteose cantando esse refrão com beleza, sorriso e sinceridade. Eram políticos, artistas e TODO o povo, todo mundo se prostrando diante dele, saudando ele, que sempre será nossa referência musical, nosso tesouro nacional.
Sinopse
Espetáculo “Martinho Coração de Rei, O Musical”, com texto e direção de Miguel Falabella.
“Martinho, Coração de Rei – O Musical” mergulha nas raízes africanas do mestre sambista Martinho da Vila, revelando a profunda influência da Folia de Reis e de outras manifestações culturais afro-brasileiras em sua obra. A dramaturgia da renomada especialista em África, Helena Theodoro, inspirada em sua pesquisa sobre o continente africano e na biografia “Martinho da Vila: Reflexos no Espelho” de sua autoria, celebra a força da ancestralidade e a riqueza da cultura negra. “Martinho, Coração de Rei – O Musical” passeia pela vida e obra de um dos maiores sambistas do Brasil. É uma celebração à rica história do samba e à trajetória de um ícone da música popular brasileira, e com uma trilha sonora inesquecível, o espetáculo nos transporta para o universo de Martinho da Vila, revelando um homem apaixonado pela música, pela família e pela cultura brasileira.
Ficha Técnica:
Um espetáculo de Miguel Falabella
Idealização e Realização – Jô Santana
Dramaturgia – Helena Theodoro
Diretora Assistente – Iléa Ferraz
Direção Musical – Josimar Carneiro
Coreografias – Rafael Machado
Cenografia – Zezinho Santos e Turíbio Santos
Figurinos – Cláudio Tovar
Visagismo – Everton Soares
Designer de Luz – Felipe Miranda
Designer de Som – Bruno Pinho
Programação Visual – Dorotéia Design
Elenco em ordem alfabética: Alan Rocha, Anastácia Lia, Celso Luz, Dandara Ventapane, Daniela Santana, Dante Paccola, Felipe Mirandda, Fernanda Godoy, Fernando Leite, Grazzi Brasil, João Cortins, Ley Oliveira, Maria Antônia Ibraim, Matheus Oliveira, Matheus Paiva, Millena Mendonça, Negravat, Renée Natan, Roberta Gomes e Vanessa Costa
Banda: Josimar Carneiro Denis Lisboa – Regente, Bruno Vieira, Diego Pereira, Nino Nascimento, Emerson Bernardes, André Kusmitsch, Guido Ventapane e Zafe Costa
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Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.
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