No próximo dia 04, acontece, no Rio de Janeiro, no bairro da Saúde (eleito recentemente um dos bairros mais legais do mundo pela revista Time Out), o lançamento do livro Jumento com faixa: deboches e antiodes ao fascismo. A obra, organizada por Zeh Gustavo e Rafael Maieiro, conta com a participação de 33 poetas provenientes de diferentes cidades brasileiras. O evento de lançamento contará com apresentação musical de Marina Lutfi e João Gurgel, filhos do ícone da MPB Sérgio Ricardo, uma das personalidades a quem o livro é dedicado, que faleceu durante a pandemia. No livro, há poemas líricos, de protestos, satíricos e visuais, além da participação luxuosa do escritor e crítico literário Ricardo Lísias (orelha) e da atriz Lucélia Santos (quarta capa). Alexandre Guarnieri, Amora Pêra, André Vallias, Guilherme Zarvos, Luis Maffei, Manuela Oiticica e Rubermária Sperandio são alguns dos autores participantes.
Conversamos com Zeh Gustavo e Rubermária Sperandio, que nos falam mais sobre o projeto. Confira abaixo as entrevistas:
Entrevista com Zeh Gustavo
ArteCult: Como surgiu a ideia para a feitura do livro?
Zeh Gustavo: O jumento que ocupa a capa do nosso livro tem um ar soberbo, de superioridade babosa, de aparente indiferença por ser bruto. Por ser um jumento. Por ser um jumento portador de uma faixa presidencial. Um jumento que chegou lá onde jamais deveria estar um jumento. Ele tem essa pose toda mas é oco por dentro. Ele é o vazio, só contornos de um tempo sombrio. E de luto. Não precisa falar mais, né?
AC: Como se deu a escolha dos autores?
ZG: Olha, o processo foi caótico como o tempo de um livro produzido em plena pandemia e justo para retratar esse tempo. Que aliás não era, não é só de pandemia. Era, e é, de fascismo. Logo, o primeiro critério para participar do livro era ser artista, no caso poeta, e já com alguma trouxinha na bagagem; o segundo, claro, ser antifascista, estar na luta, na rodagem da resistência, ter peito pra encarar o que poderia, o que pode ainda vir. Nossos autores são, antes de tudo, uns corajosos! Por encararem o Jumentão e por escolherem o caminho impopular da poesia para isso. Detalhe fundamental, a nossa “cerveja” do bolo: a antologia nasce de um híbrido — temos convidados e temos selecionados por edital público. Recomendo muito aos que organizam suas antologias por aí (tem gente muito boa nisso!) a se darem esse luxo a que eu e Maieiro nos demos: de poder conhecer e deixar fluir outros veios e trabalhos, vozes fortes, prontas, vindas de fora de nossa bolha. Ainda que nossa bolha já tenha nascido alargada pra abarcar poetas da internet, dos saraus, da academia… Fizemos uma coalizão de forças poéticas para a luta e chamamos um amplo público para dela participar. Mas sem o Centrão, por supuesto!
AC: O livro é dedicado a Aldir Blanc e Sérgio Ricardo. O que motivou essa escolha?
ZG: Dois gênios, Sérgio e Aldir! Gostamos de gênios, da complexidade de almas que comportam tantos mundos outros possíveis, e que olham pro esbelto como olham para o esfarrapado – com mais carinho pelo segundo. Aldir é letra de briga, crônica de subúrbio, misto de lei de apoio à cultura com balcão do botequim mais vagabundo mas onde a gente se sente à vontade. Sérgio é bossa de viço contra a injustiça, cinema de morro, tela de samba cantado curvo (como convém!), piano erudito a servir de esteio pro grito do feirante. Repetindo: gostamos de gênios. Eles precisam ser nossos guias de luz no fim do túnel. Antes que a estupidez mais renhida, canalha e orgulhosa tome tudo de assalto.
AC: Além do evento no Rio, haverá lançamentos em outras cidades?
ZG: Queremos fazer, mas as condições de deslocamento de nós organizadores, sem apoio financeiro de nenhuma parte, complicam um pouco. É fundamental fazer em São Paulo, temos um bom contingente de autores situados lá, seria importante. Em Cuiabá também é possível. Vamos ver isso, de acordo com as nossas condições.
Entrevista com Rubermária Sperandio
ArteCult: Como a Literatura entrou na sua vida?
Rubermária Sperandio: Cresci num meio que era um caldeirão fervente de acontecimentos. Além disso, meus pais tinham um grande comércio, à beira da BR 364, com vários setores, dois deles muito frequentados: o armazém e o bar. Ali aconteceram e foram noticiadas muitas coisas. E eu estava sempre de “orelha em pé”, no meio dos mais variados tipos de pessoas, bêbadas e lúcidas. Meus pais nunca excluíram os filhos do meio adulto (acho que isso foi bom). À noite, no jantar, sempre tinha uma síntese dos fatos diurnos. Minha mãe, observadora que era, sempre teve uma capacidade de ir além da superfície humana. Acho que meu lado cronista vem daí. Minha família também era muito religiosa. Meus pais construíram uma congregação batista, ao redor da nossa casa, para a família. Cresci lendo a bíblia. Era contadora de histórias para as crianças, quando eu ainda uma criança. Além disso, minha família era também contadora de histórias seculares. O vô Zé, pai da minha mãe, era um exímio contador de histórias. Toda vez que nos encontrávamos, e era sempre, ele contava histórias infantis para os netos. Nunca vou me esquecer da história de “Dona Iara e o Pratudo” (tenho a impressão de que ele inventou essa história). Quando entrei na escola, devorava, em muito pouco tempo, as “historinhas” (muitas fábulas de Esopo) do livro de português…
AC: Sei que, além de escritora, você também é preparadora de originais. Em que consiste esse trabalho?
RB: A preparação de originais em si, como aprendi num curso que fiz, é muito mais do que uma correção ortográfica . Vai além da observação dos aspectos formais de um texto, a coesão e a coerência. Com algum conhecimento de literatura, meu olhar está próximo de uma crítica literária. Os textos literários, em geral, têm o objetivo de emocionar os leitores. Para isso, exploram a linguagem conotativa e poética. Sendo assim, meu foco é no emprego dessa linguagem. Ela está de acordo com o objetivo do escritor? Por exemplo, no caso dos textos narrativos, que gênero textual seria mais adequado para expressar a intenção comunicativa? Na literatura, nem sempre a estrutura clássica é a mais indicada. Já me aconteceu de sugerir ao escritor que começasse a história pelo fim, pelo meio… Os elementos básicos desse tipo de texto são espaço, tempo e personagem. Os maiores problemas que tenho observado se situam aí, principalmente em relação ao espaço-tempo. Quem conta a história? Eu. Quem é esse eu? Enfim, são esses alguns exemplos diferenciadores do que faço em relação a preparações de originais mais simples.
AC: Como você foi escolhida para ser uma das autoras do livro?
RB: Além dos poetas convidados, os organizadores da antologia fizeram uma chamada pública, na qual seriam selecionados mais dez poetas. Uma amiga, muito zelosa, me enviou uma mensagem pelo zap me informando. Eu tinha alguns poemas desabafos sobre o assunto. Me inscrevi e, para minha surpresa, fui selecionada.
AC: Na esfera poética, quais são suas maiores referências?
RB: Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Augusto dos Anjos, Florbela Espanca, Ferreira Gullar, Baudelaire, Mário Quintana, Walt Whitman, Maiakovski e outros.
Obs: conheça também o livro MATRIOSKAS de Rubermária clicando AQUI.
SERVIÇO:
LANÇAMENTO COM SHOW
4 de novembro, quinta-feira, às 18h
Pequeno Museu Carioca: Largo de São Francisco, 19 — Saúde, Rio de Janeiro (RJ)
Show musical de Marina Lutfi e João Gurgel, às 19h, na sacada do Bafo da Prainha
LIVRO
Título: Jumento com Faixa: deboches e antiodes ao fascismo
Organizadores: Rafael Maieiro e Zeh Gustavo
Editora Viés
Ano: 2021
ISBN: 978-65-89476-23-8
Páginas: 176
Preço: R$ 40,50