Internet Brasileira (Parte I): O início da utilização pela sociedade civil

 

O início do ano de 1992 começou bem alvoroçado no Rio de Janeiro pois, em junho, ocorreria a ECO 92, maior evento mundial conhecido, até aquele momento, e que contou com delegações de 175 países. O Presidente na época, Fernando Collor de Melo, fez um decreto que tornou o Rio a capital federal nesse período. E, por isso, existiu uma forte segurança das forças armadas.

A Internet no Brasil existia apenas através de backbones acadêmicos e aqui no Rio não era diferente, através da Rede Rio. Isso queria dizer que somente os universitários tinham acesso à grande rede. Eu, professor desde 1987 na PUC-RIO, tinha esse acesso. Mas a Internet não era gráfica e de simples utilização como vemos hoje em dia.

Atualmente quando você clica ou digita um link para ir para um site, dificilmente sabe que será processado o comando Telnet. Se você faz o download de um arquivo, dificilmente sabe que será feito um FTP (File Transfer Protocol). E, finalmente, que os sites atuais de busca têm como avôs, o Gopher, o buscador de sites daquela época. O e-mail era, sem sombra de dúvidas, a ferramenta mais utilizada naquela época e era muito chique você ter um.

Foto: Unsplash

Voltando a 92, as pessoas da sociedade civil se comunicavam através dos BBS (Bulettin Board System). Um BBS era um software que permitia a ligação (conexão) via telefone por um computador a um outro telefone ligado a outro computador. Quando a conexão se estabelecia, era possível interagir com outras pessoas conectadas naquele momento, trocando mensagens e arquivos. E, é claro, rezar para o hospedeiro não desligar a máquina. Algumas empresas atuais como, por exemplo, a UOL, eram BBS naquela época. Essas conexões telefônicas eram feitas por hardwares chamados modens, que possuíam velocidades de 2.400 bps (bit per second). Ou seja, uma carroça era muito rápida perto deles.

O IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), fundado pelo Betinho (irmão do Henfil), em 1981, existente até hoje, possuía uma BBS de cunho social chamada Alternex. Betinho, que foi o grande idealizador da campanha contra a fome, achava um absurdo que, durante o evento da ECO 92, as delegações de muitos países que já tinham acesso à Internet tivessem que recorrer às universidades para poderem comunicar-se.

Ele viabilizou, então, um link do Alternex com a CESVI, uma ONG italiana que, na época, já tinha acesso à grande rede, com vistas a que, até junho de 92, todos pudessem trocar e-mails pela grande rede. Na verdade, essa troca de e-mails não era imediata pois se utilizava o UUCP (Unix to Unix Copy Protocol). Sem entrar muito no aspecto técnico, é como se existisse um carteiro brasileiro que enviava os e-mails para outros carteiros mundiais que, por sua vez, enviava esses e-mails para os destinatários conectados nos provedores de acesso à Internet.

Exemplo de Modem da época

Isso resolveria o problema das delegações. Só que ele permitiu, também, que as BBS nacionais se conectassem com o Alternex e, desta forma, milhares de brasileiros passaram a enviar e receber e-mails internacionais. Eu, com meu e-mail fabra@ax.apc.org, poderia dizer que estava participando da disseminação da Internet na sociedade civil brasileira. Mas não fiquei só nisso. Eu fui convidado pelo próprio Betinho para dar aulas de Mosaico (o navegador da época), de Eudora (o software de correio eletrônico da época), de criação de sites (sim, eu programei em HTML) e de como conectar-se, via modem, da sua casa ao Alternex.

O Evento da ECO 92 foi um sucesso e um marco nas discussões sobre a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável. E as conexões via Internet ajudaram muito nisso.

Em 1994, o então ministro das Telecomunicações, Sérgio Motta, mandou que criassem o primeiro provedor de acesso à Internet e que as pessoas pagassem por esses acessos. Foi uma luta bastante acirrada do Betinho (que não concordava que se cobrasse o acesso) com a Embratel, culminando com a vitória do IBASE, no momento que o Alternex se transformou no primeiro provedor de acesso nacional gratuito: o Altercom.

A Internet agora já podia ser acessada através do Netscape Navigator e aí nasceu o apelido que persiste até hoje de Word Wide Web (WWW). A AOL (America Online) já era um gigante mundial da Internet.

Eu trabalhava no IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal) e me tornei, nessa época,  o coordenador do Núcleo de Comunicação Eletrônica. A minha missão era criar um canal de comunicação do IBAM com os municípios brasileiros na Internet. Eu contei com o apoio de três feras do IBASE:  Saliel (o único ser humano que vi até hoje decorar um manual de UNIX), o Marcos Villas (que é professor da PUC-RIO comigo até hoje) e o Ricardo Dias Campos (líder deles e com quem nunca mais tive contato). Eles eram os responsáveis por garantir 24 horas de conexão do IBAM à grande rede. Não preciso nem dizer que eu comecei a ministrar cursos de navegação WEB com o Netscape Navigator e de PMAIL (o software de e-mail utilizado naquela época no IBAM). Era muito bom trabalhar e dar aula no mesmo local. Aliás, isso sempre aconteceu em todos as empresas em que trabalhei.

Em seguida, criei a homepage do IBAM, que passou a ser um veículo importante de informações para as prefeituras e câmaras municipais do Brasil. Lembro que os pareceres jurídicos do IBAM eram bastante procurados. Aí tive a idéia de começar a ajudar os órgãos municipais a divulgarem suas atuações na Internet e nasceu a ReBIM (Rede Brasileira de Informações Municipais). Lembro-me de que a primeira prefeitura municipal a que eu ajudei a ter uma homepage foi a Prefeitura Municipal de Governador Valadares. Eu fazia duas atividades: elaborava a homepage para a prefeitura ou capacitava o servidor local a desenvolvê-la.  Lembro que fiquei conhecido e muitas pessoas me chamavam para criar as suas homepages pessoais.

Depois de 9 anos, fui para a área de Telecom, onde atuei por muitos anos até tornar-me consultor profissional, mas nunca mais na área de comunicação de dados. Descobriram a minha veia de gestão de projetos e eu descobri o PMI (Project Management Institute). Dali em diante passei a gerenciar projetos. Entretanto essa já é outra história.

Hoje em dia, vendo a evolução da Internet, do e-commerce, do marketing digital e da inclusão digital, fico feliz de ter sido parte do início disso tudo no Brasil e sempre tenho muito carinho ao lembrar dessa fase da minha vida.

 

Marcantonio Fabra

 

 

 

 

 

 

 

Author

Marcantonio Fabra é mestre em Logística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Graduou-se em Informática também pela PUC-Rio. Possui o MBA em Gerência de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), é certificado como PMP (Project Management Professional) e DASSM (Disciplined Agile Senior Scrum Master) pelo PMI (Project Management Institute), Master in Project Management pela George Washington University E Certificado Exin Agile Scrum Master. É sócio-diretor da Acreditar Empreendimentos, onde atua em consultoria em gerenciamento de projetos e em palestras e treinamentos sobre o tema. Foi Vice-Presidente de Marketing e Comunicação do PMI-RJ de 2020 a 2022. Já acumulou mais de 30 anos de experiência como gerente de projetos de TI e 8 anos como Scrum Master. Também é especialista na implantação de PMOs e VMOs em empresas como Oi, Vivo (Telefônica Celular), IBAM e Cepel. É professor em universidades e instituições de ensino tais como PUC-RJ, UFRJ, FGV e Projectlab, com 35 anos de experiência acadêmica. Recebeu, em 2012, o prêmio de Excelência em Educação do Centro Técnico-Científico da PUC-RJ, tendo sido eleito pelos alunos como um dos 10 melhores professores do Centro de 2007 a 2011. Em 2019 foi finalista do PMI Award na categoria Melhor Professor de Gerenciamento de Projetos no PMI-RJ. Também já foi homenageado diversas vezes como patrono ou paraninfo de turmas de formandos desta universidade e mais recentemente em turmas do MBA de Gerenciamento de Projetos da FGV. É co-autor dos livros Gerenciamento de Projetos (FGV, 2009), PMO - Escritórios de Projetos, Programas e Portfólio na prática (Brasport, 2012) e Professional Leader: gerenciamento de projetos (Brasport, 2019).

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