GARRINCHA, ALEGRIA DO POVO
Luis Turiba *
O espírito daquele endiabrado ponta-direita, das pernas tortas e dono de uma vã filosofia – de quem criava passarinhos e pescava num município serrano, do interior do Rio de Janeiro, chamado Pau Grande – norteou espiritualmente este novo time do Botafogo, que vem encantando torcedores, amantes do futebol e a crítica esportiva, neste ano de 2024.
Mané Garrincha foi um jogador imortal que alegrava a torcida do Botafogo e da Seleção Brasileira com dribles que mais lembravam um Charles Chaplin da bola. Jogou e ganhou duas Copas do Mundo: em 1958, na Suécia, e em 1962, em Santiago do Chile.
Na Copa de 58, metade da Seleção era formada por jogadores do Botafogo; Nilton Santos, o mais elegante lateral esquerdo do futebol mundial; o meio campista Didi, com seus chutes e passes cheios de efeitos conhecidos como “Folha Seca”; o ponta-esquerda Zagalo, que corria livre e ocupava todos os espaços do campo; e, obviamente Garrincha, que estreou jogando contra o chamado “ferrolho soviético”, a seleção da URSS, cuja defesa era um desafio para qualquer seleção.
Antes de entrar em campo, na segunda rodada da Copa da Suécia, Garrincha foi recebido por um psicólogo e pelo técnico Manoel Feola. Ambos iriam lhe passar em detalhes “as instruções táticas e técnicas” para o jogo que se tornou histórico. Com seus dribles mirabolantes, a Comissão Técnica da seleção pretendia que Garrincha desmontasse a retranca soviética. Ao fim da conversa Garrincha perguntou, na maior inocência:
– Seu Feola, combinaram tudo com os russos?
A frase entrou para o anedotário das negociações internacionais.
Na Copa do Chile, em 1962, Pelé, o grande e temido craque da seleção, sofreu um estiramento na coxa esquerda e foi imediatamente afastado dos demais jogos da Copa. Entrou no seu lugar um jovem atacante também, do Botafogo, 22 anos, chamado Amarildo, que deu conta do recado e marcou três gols. Garrincha assumiu o protagonismo dentro de campo e fez até gol de falta, batendo na bola com efeito especial, fazendo a pelota fazer curvas surpreendentes e entrando no ângulo dos goleiros adversários.
No recente jogo em Buenos Aires, os jogadores do Botafogo, mesmo com um jogador expulso aos 40 segundos do primeiro tempo, desenvolveram seu futebol rápido e objetivo e assumiram o protagonismo da partida. Nem parecia que jogavam com um a menos.
O time do Atlético Mineiro, e, em especial o veterano Hulk, até que tentou uma reação diante do placar desfavorável de 2 a 0. Fizeram até um gol, mas nos últimos minutos, o atacante do time carioca Júnior Santos, que entrou no lugar do ponta Luís Henrique, autor do primeiro gol e responsável pelo pênalti que levou o placar para 2 a 0, fez um dos gols mais bonitos e improváveis da Taça Libertadores da América deste 2024.
Quem acompanha futebol, nos seus mágicos detalhes, fica com a impressão de que a jogada foi digna do grande Mané Garrincha. Também teve um certo estilo do ponta direita Jairzinho, titular no ataque com Pelé, Tostão e Rivelino na Copa de 70, no México, quando o futebol brasileiro conquistou o tricampeonato mundial e deixou marcado seu estilo solto e driblado, no cenário do futebol mundial.
O lance desse derradeiro gol ficará definitivamente guardado na memória dos botafoguenses, dos brasileiros e dos latinos que participaram dessa final da Taça Libertadores da América 2024 – quer pela sua beleza estética, determinação individual e fome de gol e de vitória, do atacante Júnior Santos.
Ao receber a bola bem na linha de fundo do Atlético, cercado por dois zagueiros do Galo, Santos conseguiu dar um drible totalmente “raiz”, oriundo do futebol de várzea ou das peladas de rua de qualquer subúrbio brasileiro: com um leve toque de calcanhar, ele conseguiu passar a bola entre os dois zagueiros. Isso tudo, numa velocidade estonteante, como diria Caetano Veloso. Na confusão da pequena área, a defesa ainda tentou cortar, mas a bola sobrou na pequena área.
Júnior Santos não se fez de rogado: jogou-se no chão e, como num golpe de capoeira, conseguiu esticar a perna e arremeter a bola para o fundo da rede, sem dó nem piedade. O gol confirmou que realmente o Botafogo honrou todo o seu passado, formado por craques como esses novos campeões da América do Sul.
Ah… mas alguém pode retrucar:
– Para com isso, cara! Não dá para ficar analisando uma partida de futebol jogada há três dias atrás com toda essa nostalgia!
– Como não? O que foi o time do Botafogo em campo, jogando com raça, objetividade e encantamento? Um futebol moderno, rápido e com jogadas individuais. Dê uma parada e veja o primeiro gol, de Luís Henrique; e este terceiro, aqui descrito? Foram obras primas de um futebol que o brasileiro sentia e sentiu muitas saudades. A grande maioria dos torcedores botafoguenses é de pessoas idosas que trazem essas histórias – e muitas outras memórias – lá dos anos 60 e 70, transmitindo de geração em geração. O Botafogo fez o favor de trazer aos estádios os torcedores que vivenciaram e se lembram muito bem do “Mané, alegria do povo”, ele que fez o Joubert, lateral do Flamengo nos anos 60, ser um dos seus primeiros “Joões”.
E essa memória é também renovação.
Bola pra frente! Ou, como dizia Ney Conceição, outro craque botafoguense que fazia dupla com Afonsinho, aquele da música do Gilberto Gil: “no futebol, o negócio é fazer gol”. E quem não faz, leva!
Comemoração dos jogadores, inclusive a homenagem a Garrincha:
Que o Botafogo, que recebeu o carinhoso adjetivo de O Glorioso – consagrado após goleada sobre o Fluminense, em 1910 – siga em suas belas campanhas com muito orgulho no peito, sorriso na alma e fome no pé!
Algumas imagens da nossa comemoração botafoguense
Texto: Luis Turiba.
Revisão: Rose Araujo
LUIS TURIBA
*Luís Turiba é jornalista aposentado, poeta com 3 livros editados pela 7 Letras do RJ, e outros 8 livros no campo da poesia independente e/ou marginal.É editor da revista anual de invenções poéticas Bric a Brac, criada em Brasília, em 1985. A Bric a Brac 8, última edição, saiu em 2022, uma celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 e ainda pode ser encontrada nas melhores livrarias de Ramos.