Deserto Particular: Destaque nos festivais de filmes, longa de Aly Muritiba conta intensa história de amor no sertão baiano

 

Dirigido e roteirizado por Aly Muritiba (O caso Evandro, 2021), contando, neste último ato, com a participação de Henrique dos Santos, a longa-metragem DESERTO PARTICULAR (2021) vem colecionado aclamações e nomeações mundo a fora ao apresentar a intensa e sensível – a antítese parece apropriada para o feito – história de amor entre seus protagonistas, Daniel e Sara.

De maneira aqui despretensiosa, já que minúcias da narrativa podem ser o anticlímax para o telespectador, a obra de Aly é construída com muito cuidado, apresentando Daniel, um policial militar que guarda uma angústia oriunda de um ato indisciplinar cometido em seu ofício. De forma representativa ao incidente, carrega um gesso em seu braço, fato que gera, em um primeiro momento, um nítido contraste com sua personalidade formada e retratada pelo filho dedicado e pelo irmão atencioso mostrado na primeira parte do longa.

O silencio também figura como peça importante para o enredo, relacionando-se com o título do filme. Em meio a uma rotina apática, Daniel busca nas mensagens com Sara – sua paixão cibernética – um alento para uma vida aparentemente desgostosa. Não muito raro, grandes histórias nascem da gritante necessidade de fuga; assim, após repentino sumiço de sua amada (Sara), que parara de lhe responder suas mensagens, Daniel resolve encarar uma inusitada jornada, deslocando-se de Curitiba até Sobradinho (interior baiano) para entender a razão do isolamento aparentemente injustificado que passou a sofrer.

Cena de “Deserto Particular”. Foto: Divulgação

 

Passado o ato inicial da obra, acompanhamos a aparente formatação de um road movie, que, na verdade, não é o objetivo do diretor. Percebe-se que o trajeto do protagonista pouco é explorado. Forma-se, na verdade, uma nova perspectiva de enquadramentos apresentadas pela direção, que o faz de maneira engenhosa, agora, tendo como cenário o sertão baiano e pernambucano. Explora-se conscientemente o sentir perdido de Daniel, que encara uma busca incerta, sem rastros e vestígios, sob o enfoque de enquadramentos abertos.

Acompanhado a isto, destaca-se a melancolia das cores frias durante a odisseia investigativa, em plena sintonia com o íntimo do protagonista; Conforme o enredo se constrói, a introdução de cores mais vivas são contrastadas, denotando o clamor lascivo de Daniel, sendo este – luxúria –, um aspecto muitíssimo utilizado pela direção, que adota a centralização do vislumbre ao corpo masculino, representado durante toda a trama. Aly, com todas as honrarias, ambientaliza um cenário coerente, acolhedor, mesclando cores e luzes, dando plena coesão ao longa. A fotografia igualmente encanta, tendo como plano de fundo a cidade de Sobradinho/Bahia.

O cenário nordestino é atrelado a sua história, por muito vezes, de luta. Deserto Particular explora o “ser” incerto de todos (independentemente de qual seja a motivação de cada um), apresentado a construção de Daniel na tida busca por sua paixão, mas que, genuinamente, é a busca pelo seu próprio “eu”. Nesse ponto, a história da barragem de sobradinho agarra-se ao enredo; A gigantesca obra pública, que carrega suas motivações políticas e sociais, deixou um rastro na vida de milhares de nordestinos, 72.000 (setenta mil) mil para ser mais preciso, que tiveram seu lar inundados para a construção da hidroelétrica.

Cena de “Deserto Particular”. Foto: Divulgação

A jornada do nosso protagonista se coaduna ao local de sua estadia – àqueles que se submeteram ao realojamento compulsório –, no sentindo afetivo do pertencimento, do sentir-se afastado de suas origens e adaptar-se a um espaço estranho; Salienta-se que a desapropriação dos moradores dos locais afetados pela construção da barragem precedem de ato indenizatório, sendo direito alçado à égide de fundamental, esculpido no art.5º, inciso XXIV, da Constituição Federal – “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.” Nesse sentido, acrescenta-se ter sido estipulado plano de governo para efetividade da citada normal constitucional, destacando-se ser ela de esfera federal, haja vista termos a matéria em questão, serviço de abastecimento de energia elétrica, como de competência exclusiva da União (classificação doutrinária), ou seja, não permitindo sua delegação para outro ente estatal; Encontra-se este mandamentos nos termos da alínea b, inciso XII, da Carta Magna.

Por fim, elogios devem ser dados as atuações dos protagonistas, bem como ao elenco de apoio, que acompanham a linda direção e tornam Deserto Particular um grande filme. Assim, novamente, temos uma direção com o olhar para o nordeste, celeiro de inúmeras obras cinematográficas, trazendo à tona nossa rica história dentre desse “brasilzão” de extensões continentais, ratificando a força do cinema nacional.  Assista Deserto Particular, preferencialmente com o coração aberto e acalorado, de maneira que a jornada de Daniel também seja a oportunidade de caminharmos por nossos “desertos”.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 de junho de 2022.

AMARAL, Adzamara/SANTOS, Juracy – A BARRAGEM DE SOBRADINHO E OS ATINGIDOS DE SENTO-SÉBA, Disponível: https://www.editorarealize.com.br/editora/anais/conadis/2018/TRABALHO_EV116_MD1_SA14_ID641_05092018165608.pdf. Acesso em: 19 de junho de 2022

 

 

 

 

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Sou Advogado, Empresário e Entusiasta da sétima arte. Para o canal Cinema & Companhia do ArteCult realizo a análise crítica sobre obras cinematográficas – filmes, séries e desenhos - inclusive pautada também pelo olhar jurídico (veja em artecult.com/author/cineelaw e siga meu Instagram @cineelaw).Neste caso, a proposta é uma abordagem leve, a fim de proporcionar um entendimento do tema pelo público em geral, trazendo em seu cerne uma dialética entre o mundo jurídico e a cultura pop contemporânea.

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