Com olhar ousado sobre o desenvolvimento da vanguarda artística no Japão, Pedro Erber um potente panorama crítico e histórico, verdadeiro guia para uma reflexão sobre as conexões entre o contexto asiático e os caminhos da vanguarda no Brasil. O volume traz ainda um ensaio fotográfico de Hanaga Mitsutoshi, que documentou as atividades da vanguarda japonesa nos anos 1960 e 1970.
Em Descida ao cotidiano – O surgimento da arte contemporânea no Japão, Pedro Erber revela a história ainda pouco conhecida da radicalização e politização do conceito de arte e das práticas contundentes surgidas num Japão em franca transformação sociocultural.
O livro percorre as corajosas e irreverentes experiencias artísticas de inserção da arte no cotidiano, e mostra como estiveram intrinsecamente ligadas a novas formulações críticas que alteraram a paisagem artística japonesa dialogando com propostas de ruptura entre arte e vida levados a cabo em outros contextos.
Este é um livro valioso por inserir a questão da arte contemporânea numa paisagem transnacional, apontando conexões pouco visíveis e assumindo uma perspectiva de crítica ao exotismo e orientalismo que ainda hoje predominam na abordagem da cultura e arte japonesas dificultando a compreensão da sua posicionalidade específica no campo artístico e cultural.
Alguns comentários sobre o livro
“O livro de Pedro Erber justapõe estrategicamente múltiplos presentes interligados para oferecer uma visão do mundo internacional moderno e propor um novo método para mapear a ascensão da arte contemporânea. Ao retomar o tema da dialética materialista da contemporaneidade, Erber questiona a suposta posição do Ocidente como o futuro do mundo e centro geopolítico da humanidade.”
Naoki Sakai
Filósofo, Professor Emérito, Cornell University
“Este trabalho coloca Pedro Erber como leitor corajoso, cosmopolita e original dos fatos que precedem e constituem o período em que a arte, no processo de sua globalização nos anos 1960, se robustece pelo apelo à radicalidade da vanguarda histórica. A multifacetada moldura teórica que sustenta suas hipóteses de compreensão do experimento em arte nocauteia a atitude meramente político-partidária do leitor e abre espaço para a figura do espectador, cuja participação passa a ser exigida pelo próprio objeto artístico. Anárquico e metódico, sofisticado e primitivo, o espectador corporifica a positividade em aberto da obra artística que o surpreende no cotidiano. Pedro Erber desconstrói com eficiência as dicotomias opressoras implantadas pela crítica de arte com fundamento sociológico. Propõe reorganizações descentradas dos produtores de arte. Estes se movimentam em várias direções e se articulam por sistemas engenhosos de intercomunicação. Desde já, este livro ganha lugar de destaque na bibliografia da arte no século 20 e se torna nosso companheiro insubstituível.”
Silviano Santiago,
escritor e crítico literário
SINOPSE
Conhecemos bem a história do surgimento da arte contemporânea a partir do exemplo do grupo Neoconcreto e dos experimentos de Hélio Oiticica e Lygia Clark, este livro mostra como esses artistas tinham homólogos no Japão. Movidos pelo mesmo ímpeto de radicalização e rompimento com a moldura teórica moderna que ainda mantinha arte e vida em âmbitos distintos, artistas como Akasegawa Genpei e a Associação de Arte Gutai desafiaram as fronteiras entre arte e não-arte, ficção e realidade, o extraordinário e o cotidiano.
Pedro Erber situa o início dessas profundas transformações da arte nos debates politicamente carregados sobre realismo e abstração e nas experiências da poesia concreta dos anos 50 criando um diálogo necessário e inédito entre a emergência da arte contemporânea no Japão e no Brasil. Ele mostra como artistas e críticos nesses dois contextos levaram a pintura moderna a um ponto de crise que abriu caminho para as experiências radicais da geração dos anos 60. Esse recorte torna visível e relevante o contraste entre o discurso da “desmaterialização” do objeto de arte promovido por críticos e artistas conceituais de Nova York no final dos anos 60, e o modo como artistas e poetas de vanguarda no Brasil e no Japão abraçaram a materialidade como intrínseca e fundamental para suas práticas altamente conceituais.
Através de articulações críticas altamente precisas, o autor revela o alcance das propostas de artistas japoneses e explora trajetórias fundamentais para a compreensão mais densa e vasta do surgimento da arte contemporânea, indo além do eixo tradicional que estuda o caso brasileiro a partir dos modelos europeu e norte-americanos. A leitura nos aproxima de uma história fascinante e pouco estudada no Brasil sobre práticas e teorias participativas que desafiaram os limites da contemplação estética e redefiniram a política do espectador.
TRECHOS DO LIVRO
Esta é uma história de artistas visuais, poetas e críticos que buscaram na arte uma forma de pensar e atuar sobre a vida política.
A estratégia consistia em minar o cerne da experiência estética — isto é, a distância contemplativa do espectador em relação à obra de arte. Quando Hélio Oiticica define o programa da “antiarte” com base numa nova posição do artista, “não mais como criador para contemplação, mas como motivador para a criação”, é essa rejeição radical da contemplação que está em jogo. É também essa ruptura da estrutura estética como mediação entre arte e sociedade que constitui o cerne da “descida ao cotidiano” teorizada por Miyakawa Atsushi: o projeto de uma prática artística sem moldura e sem nome.
Em outubro de 2006, ao final de uma estadia de pesquisa no Japão, tive a oportunidade de conversar com o crítico Hariu Ichir? em sua residência, nos arredores de Tóquio, acompanhado de mais quatro pesquisadores com quem mantinha então um grupo de estudos. Conhecido como um dos “três grandes” críticos de arte japoneses do pós-Segunda Guerra, Hariu fora testemunha e, frequentemente, participante ativo de alguns dos mais importantes movimentos da vanguarda japonesa desde o início dos anos 1950. … Passadas as apresentações iniciais, íamos tratando de direcionar a conversa ao tema que nos levara ali, quando, ao saber que eu era do Brasil, Hariu interrompeu subitamente a conversa e exclamou: “Mário Pedrosa!”
Assim como no Brasil, o discurso sobre a pintura abstrata no Japão não passou pelo processo de “desmarxização” que pautou a interpretação dominante do Expressionismo Abstrato nos Estados Unidos. Para os marxistas japoneses que se opunham à redução da arte revolucionária aos moldes do Realismo Socialista, formulados por Andrei Zhdanov em 1934, o “Tufão Informal” acenava com a possibilidade de articular uma nova estética materialista baseada nas novas tendências da pintura euro-americana.
O AUTOR
Pedro Erber (Rio de Janeiro, 1975) é Professor de Literatura e Filosofia na Universidade Waseda, em Tóquio, Pesquisador Associado em Cornell University e editor da revista ARTMargins (MIT Press). É Doutor em Literatura Japonesa pela Cornell University, Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e Bacharel em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Publicou Política e verdade no pensamento de Martin Heidegger (2003) e Breaching the frame:The rise of contemporary art in Brazil and Japan, publicado pela University of California Press (2015), além de diversos artigos sobre história da arte, literatura e estética.
A EDITORA
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