CONTO DE QUINTA: O teste

 

O TESTE

 

̶  Quantos quilos você tem?

̶  Uns cento e dez.

̶ Próxima! Mais rápido, minha filha. Anda um pouco. Desfila. Imagina que tem uma plateia aqui só pra te ver. Vamos logo, meu amor, não tenho o dia todo. Chega, pode sair. A gente entra em contato. Próxima! Próóóóxima! Quantos quilos você tem?

̶  Cento e vinte e um.

̶  Próxima! Uau, acho que você vai servir. Como se chama?

̶  Zulmira.

̶ Então, Zulmira, você tem problemas com nudez? Ainda estou pensando, não é nada certo, mas talvez alguma nudez venha a ser necessária. Só peitos, não se preocupe, tudo de muito bom gosto. E vai ser rápido. Na hora devo colocar uma luz fraca em cima de você… Seria um empecilho?

̶  Não, tudo bem. Eu…

̶ Agora anda um pouco, como se estivesse desfilando. Meio Gisele, entende? Meio Gisele, eu disse! Mais disposição, atitude de mulher empoderada. Solta o cabelo. Balança a cabeça. Plínio, joga o ventilador em cima dela. Pega aquele lençol e enrola no corpo. Bem sensual, não seja tímida. Anda, Zulmira, tá esperando o quê? Não precisa ficar com vergonha. Parece bom. Quantos quilos você tem?

̶  Cento e trinta e sete, acho. Não fico me pesando toda hora.

̶  Perfeito. Você não é muito alta, né? Um metro e… Idade?

̶  Quarenta e nove.

̶  Onde você mora?

̶  Quintino.

̶  Cruzes, onde fica isso? É longe, né? Você vai conseguir chegar na hora? Eu não tolero atrasos é bom que você saiba. Plínio, mais alguma?

̶  Não, Daniel, essa aí é a última.

̶ Você tá com sorte, Zulmira, vamos fechar com você. Alguém já te disse que você tem muito potencial? Contente, querida?

̶ Claro. Sempre foi meu sonho. Olha, eu decoro rápido, tenho muita facilidade. E os ensaios quando começam?

̶ Relaxa, Zulmira. Você não tem texto, não precisa decorar nada. Também não tem que participar de nenhum ensaio. Uns dois dias antes da estreia você passa aqui, a gente conversa sobre marcação, mas é tudo muito simples. Você fica uns trinta segundos em cena e sai. Vai dar tudo certo. Os caras querem ver as garotas, as gostosonas. A sua parte é mais um alívio cômico, entende?

̶  Mas é só isso? E o contrato?

̶  Não tem contrato, é cachê. Cinquenta reais por sessão, recebe no domingo.

̶  Mas eu pensei que…

̶  O que foi, Zulmira? Não tá satisfeita eu chamo outra.

̶  Não é isso, é que eu pensei…

̶  Pensou o quê? Meu bem, você não viu o anúncio? Tá claro no anúncio.

̶  Eu não li o anúncio. Nem sabia que tinha um anúncio.

̶  Veio pela agência?

̶  Não, tava passando aqui na porta…

̶  Então é isso, minha filha, já expliquei tudo. Conversa com o Plínio se tiver dúvida, mas o negócio é esse mesmo que eu falei. Plínio, tô atrasado, preciso correr. Liga pro elenco e avisa que os ensaios começam amanhã, tudo bem?

̶  Pode deixar, Daniel.

̶  Acho que lá pelas seis tá bom. Ah, e fecha o teatro pra mim, ok?

 

CÉSAR MANZOLILLO

 

 

 

 

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Author

Carioca, licenciado em Letras (Português – Literaturas) pela UFRJ, mestre e doutor em Língua Portuguesa pela mesma instituição, com pós-doutorado em Língua Portuguesa pela USP. Participante de 32 coletâneas literárias. Autor do livro de contos "A angústia e outros presságios funestos" (Prêmio Wander Piroli, UBE-RJ). Professor de oficinas de Escrita Criativa. Revisor de textos. Toda quinta-feira, no ArteCult, publica um conto em sua coluna "CONTO DE QUINTA", que integra o projeto "AC VERSO & PROSA" junto com Ana Lúcia Gosling (crônicas) e Tanussi Cardoso (poemas).

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