
com César Manzolillo

O POMBO E O MÚSICO
Na praça central da cidade, o som do arrulho dos pombos era tão constante quanto o murmúrio da fonte localizada no centro. Numa certa manhã, um pombo cinzento, parado sob um dos bancos, arrulhava de forma esquisita. Seu canto, em vez de suave e ritmado, soava trêmulo, era quase um soluço. Os outros pombos mantinham distância, observando o companheiro mal-afortunado do alto das estátuas.
Paulo, um músico que costumava ensaiar na praça, percebeu a situação. Ele sempre estivera atento aos detalhes da vida ao redor, como os pombos brigando por migalhas ou a dança das folhas ao vento, mas aquele pombo gris chamou sua atenção. Com o violão nas costas, se aproximou devagar tentando não assustá-lo.
— Ei, amigo, disse suavemente, o que há de errado?
O pombo apenas inclinou a cabeça e arrulhou novamente emitindo um som incomum e grave. Paulo notou que uma de suas asas parecia caída, como se estivesse machucada. Havia também algo em seus olhos, um brilho que se alternava entre cansaço e determinação. Um senhor que alimentava os pombos diariamente parou ao lado de Paulo.
— Esse aí… Tem algo de diferente, não tem? — perguntou ao mesmo tempo que jogava um punhado de milho no chão.
— Nunca ouvi um som assim. Será que está doente? — estranhou o músico.
Paulo então sentou-se no banco e começou a tocar, replicando as notas do inusitado arrulho. O pombo levantou a cabeça, os olhos brilhando mais intensamente. Ele arrulhou de novo, dessa vez em resposta à melodia. Os sons se entrelaçaram, como se aquela música improvisada fosse uma conversa entre espécies. Aos poucos, o tremor no corpo do pombo diminuiu, e ele deu alguns passos hesitantes em direção a Paulo.
As pessoas na praça pararam para ouvir, o dueto entre o homem e a ave capturava a atenção de todos. Quando a melodia terminou, o pombo encarou Paulo e, claudicante, levantou voo. Suas asas o levaram até o alto da estátua que adornava a fonte. Ele arrulhou mais uma vez, produzindo agora um som forte e decidido. Em seguida, com um voo arisco, aterrissou no ombro da estátua que nomeava a praça. Paulo sorriu. Aquele pombo cinzento não estava doente, só precisava ser ouvido.

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Um conto especial para o canto de cada um de nós!