CONTO DE QUINTA: Nós

Foto: Dekazigzag / Freepik

 

NÓS

 

Sei que você não é sequer capaz de imaginar as sensações que desperta em mim. Nunca vivi nada parecido antes. Perco o sono, durmo mal. Você me excita. Muito… Penso que você é só minha. Eu exijo exclusividade. Você não tem a mais vaga ideia das coisas que eu gostaria de fazer com você. Na verdade, eu já fiz. No meu pensamento, já realizei todos os meus desejos. É tudo tão real. Eu despi você inteira. Observei de perto sua pele clara. Deslizei minhas mãos por todo seu corpo. Na frente, atrás… Que pele macia e sedosa você tem. Nenhuma mancha, nenhuma marca, nenhuma cicatriz. Você beija bem. Sim, eu beijei você várias vezes. Nossas línguas já se encontraram. Uma procurando a outra com avidez, lembra? Nossos corpos se encaixaram. Eu tenho a impressão de que você me deseja também. É claro que deseja. Sente tesão. Uma coisa forte e sincera. Da nossa última noite de amor você se recorda? Eu me lembro de cada detalhe. Você chegou usando aquele vestido vermelho decotado. Ele deixa você ainda mais sensual. Realça suas formas. Como se você precisasse desses artifícios… Eu estava ansioso, não parei de olhar o relógio até você chegar. Eu corri ao seu encontro, abri a porta do carro. Eu lhe preparei uma bebida. Sei o que você gosta de tomar. Eu sei tudo a seu respeito. Ninguém conhece você melhor do que eu. Nós bebemos juntos. A música que tocava era a nossa música. Você escolheu bem. Realmente, como você disse, ela parece ter sido inspirada em nós. É a vida imitando a arte. Ou seria o contrário? A gente dançou de rosto colado. Passei a língua na sua orelha. Mordi seu pescoço. Ficou uma marca. A sala na penumbra. Você me pediu que abaixasse a luz. O que eu não faço para contentar você? A gente subiu para o quarto. Eu carreguei você nos braços. Amantes em direção ao ninho de amor. Você sempre foi romântica. Sempre adorei as situações que você criava, suas fantasias… Que imaginação! Eu embarcava nelas. Elas se tornaram minhas fantasias também. A cama macia, lençóis de seda, uma comichão queimando nossos corpos. Você já sem o vestido. Você completamente nua. Seus mamilos rosados, seus pelos pubianos. Seu corpo… uma obra de arte. Que visão maravilhosa. Eu possuí você. Com carinho. Você teve um orgasmo. Você me abraçou e me disse que queria tanto que aquela noite não terminasse nunca. Era exatamente o que eu estava pensando quando você falou. Também adoraria que aquela noite fosse eterna, durasse para sempre. Você teve outro orgasmo. Você está percebendo a sintonia que existe entre nós? Nós temos sorte. Achamos um ao outro. A metade da laranja, a tampa da panela, almas gêmeas, seja lá o que for. Eu sou seu, e você é minha. Ou ainda vai ser um dia. Sei que vai. Tenho fé. Nós tomamos banho juntos. Nossos corpos se tocaram embaixo do chuveiro. Eu acariciei sua barriga. Eu enxuguei você carinhosamente. Passava a toalha pelo seu corpo, porcelana fina e delicada. Depois do banho,  nos amamos de novo. Dessa vez no chão forrado com pétalas de rosas. Rosas brancas, suas favoritas. Em cima do tapete também, no meio das almofadas. Somos insaciáveis. Você gosta de variar, sempre rejeitou a mesmice, fugiu da rotina. Os laços que nos unem. Nós…

A carta prosseguia. Alice, porém, resolveu não continuar a leitura. Desde a morte de Sandra, ocorrida três semanas atrás, aquela era a primeira vez que entrava no quarto da filha. Tudo estava exatamente como ela havia deixado. Dobrou o papel, colocou-o novamente dentro do envelope e o abandonou no criado-mudo, onde o encontrara. Apagou a luz e saiu, fechando a porta atrás de si.

 

 

CÉSAR MANZOLILLO

 

 

 

 

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Author

Carioca, licenciado em Letras (Português – Literaturas) pela UFRJ, mestre e doutor em Língua Portuguesa pela mesma instituição, com pós-doutorado em Língua Portuguesa pela USP. Participante de vinte e quatro antologias literárias. Autor do livro de contos A angústia e outros presságios funestos (Prêmio Wander Piroli, UBE-RJ). Professor de oficinas de Escrita Criativa. Revisor de textos.

3 comments

  • Maravilhoso
    Seu conto, César, Cris o clima e o anti-clima quase sem piscar.
    Muito bem escrito e conectado. Você e o site ArteCult acabam de ganhar mais um leitor ligado em boas soluções estéticas e criativas.
    Adelante, meu bric-abraço
    Luis Turiba

  • Lembranças boas que ficam , momentos que parecem se eternizar e passam, é a vida.

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