
com César Manzolillo
A CASA DA MINHA AVÓ
Nessa noite eu tive um sonho com a minha avó, que engraçado, ela possuía dois nomes, no registro oficial era Elvira, mas foi batizada como Alzira, e quase todo mundo só a conhecia por este último nome, ela já morreu há vinte e cinco anos, no sonho ela estava na casa dela, uma casa grande no subúrbio na qual ela viveu praticamente a vida inteira, ela se casou com meu avô, um advogado cearense, e foi morar lá, de onde só saiu bem velhinha pro cemitério, o meu avô também saiu de lá apenas depois de morrer só que foi bem antes da minha avó, a casa tinha um portão alto de madeira nobre e vistosa, quando a gente atravessava o portão de um lado tinha uma rampa bem íngreme que ia dar na garagem, como nem ela nem meu avô tinham automóvel, ela alugava a garagem pra um vizinho que não tinha onde guardar o carro, do outro lado ficava um enorme jardim, mas é possível dizer que era um pomar também já que um pé de fruta-de-conde convivia amistoso com as flores, jasmim, rosa, margarida e sei lá mais o quê, no centro do quintal, a minha avó tinha uma mangueira altíssima que tava sempre carregada, então ela distribuía mangas entre os vizinhos, mas a minha avó também ganhava algumas frutas, na casa da dona Virgínia, que ficava bem ao lado, tinha uma goiabeira, e a dona Virgínia sempre dava goiabas pra vovó, e às vezes ela fazia doce, da dona Norma, que morava na mesma rua algumas casa abaixo, ela recebia carambolas deliciosas e frescas, ainda na parte externa da casa havia atrás da garagem um quartinho que era usado como uma espécie de oficina pelo meu avô, nas horas vagas ele gostava de consertar coisas, mas depois que ele morreu, o quartinho passou a ser utilizado como depósito mesmo, a área de serviço ficava entre o quintal e a sala, tinha o tanque e o varal para estender a roupa, eu e meus colegas corríamos por entre as roupas penduradas na corda, minha avó ficava danada, vocês tão sujando tudo, eu acabei de lavar, ela dizia, a sala era de dois ambientes, de um lado a gente via televisão sentado num sofá velho que a minha avó dizia que era sumiê ou coisa parecida, e também falávamos no telefone, um aparelho preto antigo que vivia dando defeito, do outro lado ficava a sala de jantar, e, por falar em jantar, eu não posso deixar de dizer que minha avó era uma cozinheira excelente, e até hoje eu ainda não conheci ninguém capaz de fazer um feijão com arroz melhor do que ela, depois da sala, vinha a cozinha, o menor cômodo da casa, onde mal dava pra acomodar a pia, os armários, a geladeira e o fogão, perto da cozinha ficava o quarto de hóspedes que às vezes era usado pela tia Helena, a irmã mais nova da vovó, que morava em Minas, do lado desse quarto era o quarto da minha mãe da época em que ela ainda era solteira, depois que ela se casou, a vovó não mexeu mais nele e deixou lá como sempre foi, com bonecas, brinquedos e tudo, a cama forrada com uma colcha de bichinhos, o banheiro social tinha chuveiro e banheira, e minha avó sempre adorou encher a banheira que nem uma piscina e se deitar lá esquecida do mundo, ficava lendo, escutando o rádio, o quarto da minha avó era espaçoso, tinha cama de casal, um lustre lindo de cristal com pingentes, o guarda-vestidos e uma penteadeira cheia de frascos de perfume, muitos já rançosos, outros até vazios, na verdade ela nunca gostou muito de perfume, e eles estavam ali mais para enfeitar mesmo, tinha ainda um tapete bem felpudo onde o Biriba, o gato da minha avó adorava se aninhar, ah o Biriba depois que a dona morreu, foi morar lá em casa, mas também não durou muito, acho que sentia falta da minha avó apesar de que ele também já era bem velho, um outro lugar especial na casa da minha avó era a varanda, onde toda tarde ela se aboletava nas cadeiras e ficava fazendo crochê e olhando as modas, cumprimentando uma amiga ou outra que passava, já aos domingos, ela punha a rede depois do almoço e tirava uma soneca com o Biriba deitado embaixo.
Minha mãe acabou de me dizer que a casa da minha avó vai ser demolida em breve. Parece que vão construir um prédio de dez andares no local. Acho que isso vai acontecer por causa de uma coisa chamada progresso, não sei bem. Sei apenas que a vida é assim mesmo. Nada dura eternamente. Seja como for, mesmo depois que o edifício estiver pronto, sempre que eu passar em frente dele, vou lembrar do tempo em que ali era apenas uma casa, uma casa grande e aconchegante… a casa da minha avó.
CÉSAR MANZOLILLO

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