CHICO PAIO: um patrimônio cultural de Barroso(MG) pra sua mesa!

 

Revendo minhas lembranças para escrever a série de artigos sobre a ESTRADA REAL, ocorreu-me um “causo” que vale a pena mencionar – ainda mais levando-se em conta que esse nosso cantinho aqui surgiu pra que a gente pudesse conversar sobre gastronomia. E já faz algum tempo que não coloco uma receitinha por aqui, né?

E essa me surgiu quando estava em São Thomé das Letras, num desvio estratégico da rota pra conhecer um local que tem fama de mágico. E o é, realmente. Uma aura toda misteriosa invade até mesmo quem não é lá místico ou esotérico, como eu…

Pois bem, estava no alto de uma pedra observando o pôr do sol, quando entabulei conversa com um coroa motoqueiro, que também estava ali de passagem, vindo do Caminho da Fé – outra rota turística existente no país.

E aí, conversa vai, conversa vem, falou-me que era da cidade de Barroso/MG, distante dali cerca de 195km. Como não conhecia, tampouco tinha ouvido falar, fui dar uma pesquisada e obtive a seguinte informação no site www.minasgerais.com.br:

Situada entre Barbacena e São João Del Rei, a cidade de Barroso vem investindo no turismo com o embelezamento de avenidas, praças e jardins. A praça de Sant’Ana, que recebeu tratamento arquitetônico e paisagístico, é tombada pelo município. Atualmente, a cidade é uma grande produtora de cimento, referência marcante da sua economia. 

Além de suas indústrias do setor de construção, malharias e laticínios, a cidade possui também um comércio ativo e atrações culturais de destaque. O patrimônio edificado conta com uma arquitetura moderna, jardins, praças e igrejas. O artesanato produzido pela comunidade também ganha destaque. Os produtos ficam expostos na loja da Cooperativa dos Artesãos de Barroso – Cooperart, instalada na entrada da cidade. Na zona rural, o município dispõe de duas fazendas produtoras de cachaça e licor – a Fazenda Sagarana e a  Fazenda Boa Vista.

A tradição musical é outra característica marcante da cidade. A Banda de Música Municipal tem mais de cem anos e, através de sua escola, repassa seu conhecimento para os jovens. Para promover esses e outros talentos, o município realiza todos os anos o Festival da Canção de Barroso – Festican, que também já tem seu lugar no Calendário de Eventos do Circuito Trilha dos Inconfidentes.

Foi quando o assunto passou a ser sobre comida que a coisa ficou (muito) interessante. Ele me contou que sua cidade é famosa por um prato inventado lá, e que o povo adora, chamado CHICO PAIO. É um prato de domingo, de família, substancioso. Ele me disse que a Prefeitura, inclusive, organiza festivais cujo tema principal é essa iguaria barrosense, havendo toda uma movimentação para torná-la patrimônio cultural. Foi só ele me passar os ingredientes que eu, de cara, já entendi o motivo…
Por certo, fiquei curioso. E, chegando em casa, parti para fazer minhas pesquisas.
Primeiro, queria saber sobre as origens e as explicações para um nome tão diferente. Afinal, quando o amigo de São Thomé das Letras me passou a receita, disse que se utilizava linguiça calabresa e não o paio. Encontrei uma matéria na página https://liberdadebarroso.fm.br/a-origem-do-prato-barrosense-chico-paio/ que dá uma ideia da história do prato:
“Criado com muito amor e carinho”, assim diz Cirlene Lopes ou simplesmente Ché, a inventora do prato típico barrosense, Chico Paio. O caldo vem sendo divulgado pelo site da Secretaria de Estado de Cultura, fazendo parte do turismo mineiro como um patrimônio do município de Barroso.

Segundo a barrosense, a inspiração para o surgimento do prato veio após provar um caldo de dobradinha com feijão branco na casa de sua tia, no Rio de Janeiro. Desde então, ela resolveu fazê-lo em sua casa e também utilizá-lo como fonte de renda.

Aqui, o caldo de dobradinha com o feijão branco teve uma venda positiva, porém, houve resistência de parte da freguesia, o ponto de partida para a origem do prato mais ‘chique’ de Minas Gerais.

Por conta do alto valor do paio, ingrediente pouco conhecido na época, o preço do caldo era considero caro se comparado aos demais. Assim, a clientela o rebatizou ironicamente de “Chique Paio”.

Sendo assim, Ché precisou encontrar uma alternativa econômica para continuar vendendo sua invenção, de modo que agradasse a todos.

O fim do nome ‘Chique Paio’ se deu através dos motoristas da comunidade do Bananal que consumiam o produto, estes não pronunciavam corretamente o termo irônico, sendo chamado por eles de ‘Chico Paio’, um nome popular que agradou a autora da iguaria que apesar do nome já não levava mais o ingrediente paio.

O Chico Paio, assim como os demais patrimônios culturais da cidade catalogados, colabora para o aumento do ICMS cultural do município. Desse modo, Barroso chega à pontuação de 12,80 e a expectativa é de receber um investimento de cerca de R$ 250 mil.

O Governo de Minas Gerais por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo e o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico de Minas Gerais promovem a Jornada do Patrimônio Cultural, inspirada na experiência francesa Journées du Patrimoine, que tem por finalidade mobilizar municípios, entidades e agentes culturais para a realização de atividades que sensibilizem a sociedade para a promoção, valorização e preservação do patrimônio cultural.  As Jornadas são promovidas pela Secult-MG por meio do Iepha-MG, desde 2009, que alcançou a participação de mais de 600 municípios, logo em sua primeira edição. O prêmio é um reconhecimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, que valoriza as ações que se destacam na preservação do patrimônio cultural no país.

Em 2023, na sua nona edição, cujo tema foi “Caminhos Gerais: Itinerários e Rotas do Patrimônio Cultural Mineiro”, foi apresentado o autêntico caldo barrosense CHICO PAIO como parte da programação do Fest´Arte 2023. Esta especialidade local, devidamente inventariada em 2021, é parte importante da identidade e tradição culinária do município e o fato de ter a receita inventariada é forma de preservação da cultura e garantia de que as gerações futuras possam saborear a autêntica essência de Barroso/MG.  Além disso, abre portas para a criação de novas variações desse prato, enriquecendo ainda mais a gastronomia barrosense e fortalecendo a economia local.

A receita – pra quem gosta de ter tudo medido e não faz como eu, de “olhada” –  está disponível em www.minasgerais.com.br e eu a transcrevo a seguir:

INGREDIENTES:
(Receita Chico Paio para 10 pessoas)
. 1 pacote de 500 gramas Feijão Branco
. 300 gramas de Bacon
. 300 gramas de Paio
. 600 gramas de filé peito desfiado
. Milho verde
. 1 tomate Tomate picado
. ½ Pimentão Picadinho
. 1 Cebola de cabeça média
. 1 colher de sopa rasa Coloral
. Tempero de alho
. 50 ml Óleo
. Sal
. Pimenta do Reino

MODO DE PREPARO
Cozinhar o feijão na panela de pressão. Refogar óleo, alho e o coloral e em seguida acrescentar o feijão cozido e todos os ingredientes citados acima, mexendo sem parar até o caldo ferver. Por último temperar com sal e pimenta do reino a gosto. Servir com cheiro verde.

Então, vamos fazer juntos? É claro que, para quem me conhece, sabe o quanto sou tentado a mexer nas receitas – embora não as siga – pra acrescentar algum toque pessoal. Mas prometo que vou tentar me manter fiel ao prato. De antemão, vale lembrar que a maioria das receitas disponibilizadas se utilizam da linguiça calabresa, inclusive fazendo-se um mix dos dois embutidos. Eu, aqui pro canal, como a referência está no nome, resolvi fazer só  com paio… E outro adendo: por uma falha minha, esqueci-me do bacon. Mas não cometam essa heresia, ok? Bacon é vida…

Vamos, então, aos ingredientes que utilizei:

 
Primeira coisa que fiz foi dourar a linguiça paio – no caso, o bacon entra antes, pra soltar a gordurinha. O legal dessa receita é que a gente usa uma panela só – claro, ainda tem a panela de pressão para cozinhar o feijão branco, algo que a gente já faz pra adiantar o serviço… Aliás, cozinhe o feijão bem temperadinho, coloque folha de louro, para que o caldo fique bem gostoso. Eu cozinhei o meu feijão não com água, mas com um caldo de legumes caseiro e bem saboroso.
Reservei o paio dourado e, pra aproveitar o fundinho de panela, acrescentei mais azeite – ou banha de porco, ou tallow –  e refoguei bem refogadinho o frango desfiado com a pimenta dedo de moça (não podia faltar, né?) e, também, reservei. Fez novo fundo de panela…
Entramos com a cebola picada, que vai deglacear esse fundo, trazendo muito sabor para o prato. Pode-se, aqui, acrescentar alho picadinho também.
Depois que a cebola já roubou a cor do fundo da panela, impregnada com os sabores que vieram antes, a gente entra com o pimentão picadinho e refoga por mais um tempo.
Hora de entrar com o tomate, que vai soltar seu líquido e amalgamar tudo. Não se esqueça de colocar um pitadinha de sal em cada processo, sem exagero. Não deixem, como diz o grande mestre Alex Atala, de utilizar o instrumento de precisão de todo cozinheiro: a boca. Experimentem tudo, em cada etapa, e faça os ajustes necessários.
Voltamos com o frango desfiado e refogado pra panela, para que ele incorpore a cebola, o alho, o pimentão e os tomates. Pode-se acrescentar, lá atrás, coloral (não curto muito, pois ele não tem sabor algum) ou outra coisa que possa trazer cor, como páprica, ou mesmo cúrcuma.
Juntamos o milho verde e refogamos por mais algum tempinho, para que todo o sabor se junte. Já tá tudo preparado pra receber aquele feijãozinho esperto quer a gente já deixou preparado…
 E aí, concha a concha, juntamos o feijão branco com o caldo nessa panela. Você, nessa hora, resolve se quer mais grosso ou mais caldoso.
Depois de incorporar o feijão, é hora de retornar com o paio (mais o bacon e a calabresa, se quiserem algo mais “substancioso”) pra panela, e mexer tudo, como um bom alquimista…
Deixamos ferver mais um pouquinho, agora com todos os sabores reunidos, experimentamos, corrigimos o tempero. E finalizamos com cheiro verde – de preferência, bastante…
E pronto! Tá feito o prato patrimônio cultural do município de Barroso, em Minas Gerais. Espero que tenham gostado dessa iguaria, que é quase uma “versão” mineira do tradicional Cassoulet francês e que se animem a fazer e experimentar. Quem sabe, num próximo encontro de família, numa reunião de amigos? Posso dizer – e garantir – que fica muito bom!!!

Chico Paio. Foto do autor.

Espero que tenham curtido o artigo e que eu tenha conseguido passar todos os detalhes. Claro que é possível fazer um sem-número de modificações, acréscimos, substituições, criando variações sobre o tema. Afinal, a cozinha não é algo engessado… Ela é livre, você decide por qual caminho seguir.

Em breve, pretendo trazer novos “quitutes” aqui pra gente fazer juntos, pode ser? E digam aí pra mim se gostaram, sugiram novas receitas – principalmente pratos regionais, pouco conhecidos, como o CHICO PAIO, pra que a gente possa ir descobrindo o nosso Brasil através dos sabores…

Bom apetite a todos!

A gente se vê em breve…

 

 

DEL SCHIMMELPFENG

@del.schimmelpfeng

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Author

Del Schimmelpfeng é Analista Judiciário do TJERJ, mas desde que se lembra - e coloca tempo nisso! - ama cozinhar! Apesar de ter feito as faculdades de arquitetura e direito, é se misturando aos pratos, panelas e temperos que se sente inteiro, completo, pleno. É autodidata, nunca fez curso de culinária, tampouco se imaginou um profissional da área. Considera-se apenas um curioso, que procura o conhecimento em tudo e que tenta, de todo jeito, viver da melhor forma possível - apesar de todas as dificuldades. Afinal, não haveria graça se elas não existissem... Participou da seletiva da segunda edição do Masterchef e da décima nona edição do reality "Jogo de Panelas", apresentado por Ana Maria Braga no programa "Mais Você" da Rede Globo, na qual sagrou-se campeão. Possui, ainda, textos publicados em livros de conto e poesia. Blog: http://delschimmelpfeng.blogspot.com Instagram: @del.schimmelpfeng

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