Esse capitalismo que cria um modo de dizer que o produto simplificou e você precisa gastar mais para ter mais. Mesma coisa a gasolina aditivada. Batata maior. Acesso a mais programas. Mais opções de filmes. A coisa transformada em subcoisa pra poder chamar o consumidor de bobo com exclusividade.
Há uma grande dificuldade na existência moderna de separar alguns afetos e desafetos. Qual é a grande diferença entre egoísmo e exclusividade? E entre conforto e ausência de simpatia? Algumas perguntas parecem óbvias, até tolas, mas são pouco ou mal respondidas. O que diz sobre a pessoa que vive na busca por exclusividade é o contraste com quem compartilha de algo com mais gente.
Por exemplo, um show pequeno (que na língua dos outros é chamado de pocket show) para meia dúzia de pessoas especiais é melhor do que o show por um bocado grande de pessoas que também querem ver a performance de um artista ou banda? Recordo meio a esmo de uma dinâmica que define muito uma categoria de pessoas das grandes capitais do sudeste brasileiro: o lugar exclusivo. A Pedra do Telégrafo, por exemplo, ficou popular por conta do efeito de ilusão de ótica possível em um ângulo de foto. Logo ganhou popularidade e, claro, muitos comentários reclamando de o lugar ter ficado famoso. Ocorre o mesmo com algumas praias, com alguns bares, com algumas biroscas, com algumas vistas, com algum filme, com algum músico ou destino turístico. Noronha ficou popular (para quem?), já foi dito em redes sociais.
Por qual motivo existe uma gasolina aditivada que faz tão bem ao motor e a performance do carro em detrimento a uma gasolina inferior? O justo não deveria ser o setor oferecer o melhor? A opção é garantir o nicho de exclusividade. Funciona da mesma forma na cultura de sócio torcedor de clubes de futebol. Muitos dos membros se consideram uma “elite especial” em contrapondo com o torcedor que não assinou uma fidelidade com o time de coração. Um é mais torcedor que o outro? Por qual motivo? Por que o capitalismo possibilitou isso para um e para outro não?
São muitos exemplos: a edição de colecionador de um livro; a edição especial de um uniforme esportivo; o cercadinho no carnaval de rua em Salvador; a área vip em diversos lugares; o creme dental com maior efeito para alguma tal coisa; a experiência em poltrona sei lá o que de sala de cinema; a matéria no jornal digital; entre outros. Errei em um exemplo ou outro intencionalmente. Esse pequeno texto não é exclusivo de quem assina algum lugar. É quase público e súplica: por favor, não estabeleçam a precariedade como fundamental e algo razoável como especial. Várias dessas coisas exclusivas sequer são boas mesmo. Muita gente só compra, consome, habita, adquire e busca por status social. Mas isso é uma conversa mais profunda.
Ruth Ozeki, no livro “A Terra Inteira e o Céu Infinito”, cunha uma frase que condiz com a contramão dessa exclusividade contemporânea que habita a cada um como uma peste que dá prazer. Um personagem de Ruth diz:
“Não ligo de imaginar o mundo sem mim porque não sou excepcional”.
A ideia de excepcionalidade indica a falta de humildade, característica que quase todo mundo finge ter e na primeira ou segunda oportunidade escorregam na arrogância.
Uma ida a uma rede popular de fast-food é um ensaio antropológico sobre a exclusividade. Me oferecem aumentar a batata por um valor; aumentar a bebida por tal valor; acrescentar um sachê de molho por tal quantia. Eu só queria um sorvete, mas me perguntaram se eu queria calda extra. Me rendi. Calda extra, por favor.