A crônica da semana não sai. Lembro-me de Machado diante da folha em branco que lhe pedia inspiração: “frouxa e manca, a pena não acode ao gesto seu”. Se era difícil para um deus, que dirá para uma aprendiz? Distraem-me todas as notícias da tevê e os sons da vizinhança. O cursor pulsa na tela e há um silêncio em mim. Não posso escrever se não quero falar. Estou numa espécie de ressaca de Natal.
O álbum de fotos ainda sobre a mesa. Abrimos o passado, após o almoço de Natal, apresentando a quem chega na família os personagens que se foram. Gente amada de quem se contam histórias, e, principalmente nessas datas festivas, se recordam receitas, brincadeiras, frases espirituosas. Havia fotos dos pais, da avó, dos tios que partiram; do irmão que se afastou; dos primos mais distantes. Havia esperança num futuro que chegou diferente. O casal se separou, o amor se tornou amizade, aquele mudou de carreira, o outro adoeceu, uma partiu muito jovem. Muitas relações sólidas e amorosas, décadas depois, se mostraram perenes, apesar da impermanência humana sobre o solo da vida.
A saudade entrou pela porta. O almoço de Natal já foi rodeado de muitas presenças. Os menores se espalhavam nos degraus das escadas para terem onde apoiar os pratos, sem lugares à mesa. A casa era barulhenta. Hoje, conversa-se em tom normal e todos cabem numa mesa só.
“Ao relembrar os dias de pequeno, quis transportar ao verso doce e ameno as sensações da sua idade antiga”.
Seria sobre isso a crônica, se eu a conseguisse escrever. Como Machado, também me aflige a dificuldade de descrever tal sensação. Eu costumava pensar que os Natais da infância eram os melhores, cercada das pessoas que eram minha referência de mundo porque estavam na minha vida desde sempre. Até eu ser mãe e imaginar que os melhores Natais seriam dali para frente, aqueles em que eu testemunharia a alegria do meu filho.
Mas a vida não é só encantamento. Conforme os anos avançam e a ilusão da infância se afasta, sob o véu do Natal revelam-se, também, tristezas. Famílias desunidas ou com dificuldades financeiras. Gente em situação de miséria, nas ruas. Data que enfatiza ausências ou lutos. Solidão. Mesmo em lares afortunados, sendo a vida fluxo, momentos de alegria e tristeza se revezam, oportunidades surgem ou se recolhem. Nem todos os Natais serão iguais.
Ruminando lembranças, vivendo novas histórias ao lado de pessoas amadas, sonhando futuros, misturo sentimentos e pensamentos. Há saudade e alegrias. Nada é como imaginamos que seria. Tenho a resposta para o poeta: o Natal mudou, como eu também.
Olho o presépio sobre o móvel. O símbolo mais representativo dessa época aponta para o futuro. O menino que chega é um elemento novo, a revolução iminente. Não é preciso ser cristão para acolher a simbologia desses dias. Celebramos a mudança. Afastemos a melancolia e olhemos para frente. O Natal é sobre o que virá. É seguir para onde apontam as estrelas, depositando esperança aos pés da inovação. É um eterno renascer criança e saber-se semente de um futuro melhor.