“Toda criatura de Deus merece ser perdoada. Você me ama, não ama? Se ama, perdoa”. A chantagem era um sinal de desespero, no fim da longa conversa de que eu, involuntariamente, acabei participando. Fui me ajeitar e atraí a atenção do casal. “Não é verdade que todos merecem perdão?” Tive que balançar a cabeça afirmativamente, antes de enfiar, de novo, a cara no livro.
Estávamos todos sentados no alto da pedra, esperando o pôr do sol. Eu lia “Nuvens de Palavras” enquanto a dupla decidia se rompia ou mantinha o namoro. Muitas mágoas expostas. Protagonizavam uma cena íntima no meio de estranhos e, o pior de tudo, de costas para o céu do Arpoador. Chamavam a atenção de quem estava por perto. Falavam alto, havia tensão. A trama real competia deslealmente com minha leitura das crônicas. “Eu não consigo perdoar. Não dá.” Desisti. Fechei o livro. “Mas eu te amo”. Já tinha virado novela.
Um pequeno grupo de pessoas me pediu para eu fotografá-las com o pôr do sol ao fundo: rosa e azul, quase sem nuvens. Juntaram-se na beira da pedra, ao lado da discussão em curso. Os sorrisos contrastavam com a conversa acalorada. Procurei um ângulo melhor para cortar o casal do retrato. Nada valeria ofuscar aquele céu. “Eu não acredito que vamos terminar por tão pouco”. Pareciam infelizes.
No momento em que o sol mergulhou, os aplausos da pequena multidão no entorno abafaram as últimas palavras daquele entrevero. Não sei se foram de amor ou de mágoa nem se choravam. Eu não quis ficar olhando.
Foi quando me lembrei de nós. Você também me disse ali, no fim de uma caminhada, que não me amava mais. Na nossa despedida, não houve pôr do sol. Começou a garoar e tudo foi rápido porque fugíamos do incômodo extra: a chuva. Aceitei, sem drama, sua decisão. Mas, agora, penso se deveria ter pedido seu perdão. Ou você a mim. As sentimentalidades talvez fizessem mais justiça ao amor vivido do que nossa resignação imediata.
Percebi que haviam se separado quando sobrou, apenas, uma pessoa deitada na pedra, sob a lua. Deixei meu livro em seu colo. “Pra passar o tempo… Você vai precisar quando vier aqui sentir suas saudades”. Não havia quase ninguém. Poucos ficaram para observar a espuma branca das ondas contra as pedras, quando a noite começou a esfriar.
Não ouvi agradecimento nem ganhei sorriso. Mas, antes de descer até a rua, pus a mão no ombro da vítima. Sim, todo amor, quando acaba, deixa vítimas. Não foi diferente conosco.
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com César Manzolillo