Se abro a janela para cumprimentar o segurança, no portão da garagem do trabalho, sinto o cheiro de estrume, vindo do terreno ao lado. Ali, dois cavalos comem grama pela manhã. Um, branco e magro. O outro, marrom, imponente. Às vezes, trotam para longe, buscando alimento melhor.
O cheiro do estrume me lembra das baias em Valença e em Gericinó. Você dizia gostar de sentí-lo, veja só… Amava cavalos! Escolheu a Cavalaria para satisfazer o desejo do menino pobre de montá-los e de, um dia, possuir um.
Você era um homem duro, um militar vocacionado, mas sua escolha tinha essa origem poética. Isso embaçou meu olhar para o que viveríamos. Só adolescente, entenderia o extremo do seu rigor. Naquela época, não. Eu só via sua ternura. Você me levava ao quartel para estar com os cavalos. Eu podia acariciá-los, beijá-los na cara, enrolar as crinas nas pontas dos dedos.
Você separava os mais dóceis para eu montá-los. Da sela, eu dominava o mundo, mesmo os pés não alcançando o estribo. As mãos seguravam a rédea frouxa. Pensava guiar, mas, não, era você. Na volta, o cocho estava cheio. Pequena, agachava para vê-los comer, com seus dentes enormes. Os aromas se misturavam: capim, estrume, terra. Eram aromas de liberdade e silêncio.
Não gostava de ir ao quartel em dia de cerimônia. Achava chatos os rituais. Mas você me ensinou a montar e me deixava, uma vez nas férias, levar amigos. Andávamos a cavalo. Comíamos o rancho, misturados aos soldados. Corríamos pelo descampado, recriando, mais livres, as brincadeiras de quintal. O dia passava, morno e rápido, em todos aqueles verões.
Lanchávamos em sua sala e eu ostentava o pequeno privilégio de ser filha do comandante e de poder ter visitas. A sala em mogno cheirava a sítio. O amadeirado da escrivaninha, em que se punham os biscoitos e a limonada, dava à reunião ares de café colonial. Da janela, víamos os cavalos soltos no enorme cercado, sendo conduzidos às baías antes que o sol se apagasse.
Estávamos fixos na mesma cena: o animal de corpo musculoso e andar elegante. O animal mais lindo que existia. Achávamos, num tempo em que eu e você olhávamos para o mesmo horizonte.
Você não suportaria saber do abandono dos cavalos que vivem na rua do meu trabalho. Possuem um olhar melancólico. Seguem errantes pelo bairro. Não sei lidar com eles. Faço cerimônia de tocá-los.
Sempre que sinto o cheiro de estrume pela manhã, procuro pelos animais. Mas, também, procuro você. Gostaria que estivesse aqui para ensinar-me, de novo, a demonstrar meu carinho por eles. Gostaria que tivesse aprendido a demonstrar melhor o seu por mim, quando deixei de ser criança.
Aninha, tive a oportunidade de desfrutar alguns verões em Gericinó com você naquelas tardes maravilhosas. Adorei ler a crônica para o seu pai. Onde ele estiver estará feliz em ler sua crônica! Bjs
Obrigada, amiga! Você era parte da turminha rs Beijos