Estou longe de ser o tipo que, quando recebe atenção, imagina-se enlaçado. Gosto de dar tempo para as certezas afastarem o verniz da ilusão.
Mas preciso contar-lhe: sonhei que você deitava no meu sofá. Deitava, não sentava. E deitar é muita intimidade. É coisa que se faz escondido das visitas. Liberdade que se dá só a quem anda descalço pela sua casa ou a quem se deixa provar a mistura culinária improvável entre biscoito de sal e leite condensado, sem medo de ser julgado.
Pois você estava deitado no meu sofá. Acredite. Chamou-me para sentar à sua beira e conversamos. Assistia à tevê. Uma reportagem sangrenta disputava com as minhas questões sobre independência e amor e você parecia não prestar atenção a mim. A nada. Mas eu sabia (como se sabe nos sonhos o que não se diz): havia acolhimento.
Eu podia ter-me deitado no sofá, ao seu lado, pensei, depois de acordar. Ficaríamos abraçados. Eu podia ter colocado sua mão nas minhas pernas e deixado que percorressem o caminho até a barra da saia. Eu o beijaria. No sonho, você teria sido meu e minha casa seria sua enquanto houvesse a tevê, o sofá e a madrugada pela qual nossa conversa atravessaria.
Havia música. Não era aqui, vinha do corredor. Estávamos em casa e a festa era em frente aos elevadores. Pelo olho mágico, víamos o mundo, de fora. Aqui, tudo era morno: a corrente de ar que vinha da varanda, seu hálito, seu queixo apoiado em meu ombro.
Sua blusa de linho, aberta, deixava alargar-se com a brisa. Meu vestido era transparente e juvenil. Havia flores estampadas sobre os mamilos e o ventre, como se tatuadas sobre o corpo, tornando imperceptível o fino tecido.
Suspirávamos, alheios ao ritmo da música, ao fundo, no corredor. Seguíamos o ritmo da brisa, que levantava as cortinas e as pousava de volta no lugar. Sua mão na minha cintura, meus lábios abertos aos seus.
Acordei pensando em coisas que não associaria, antes, a você. As mãos, o hálito, o corpo aquecido por sua presença. Com os olhos abertos, você está distante. Vejo-o nas redes sociais, pela tela do celular. Não sei que perfume usa ou com que frequência levanta da cadeira para servir-se de café durante o expediente. Nas reuniões on line, você é uma janela, pequena, confundida com outras, se as câmeras se desligam. Uma abreviatura de nome, um microfone desligado, ouvindo, como eu, os planos que fizeram para nós.
Será que o sonho é aqui, e você é fantasia inventada? Será como a festa no corredor? O real existe pelo lado de dentro, por onde passa o vento e o calor?
Fim da reunião. Ajeito o sofá, cobrindo-o com uma manta florida, protegendo o estofado.
Se eu despertá-lo em vida como, no sonho, você me despertou, me arrancaria as flores?