– Eu não vou.
– Por quê?
– Você se esqueceu? Em novembro, eleição.
– O que tem a ver?
– Sempre que tem eleição, o prefeito quer mostrar trabalho, pra se reeleger. A cidade toda esburacada. Obra pra tudo que é canto. O trânsito pra lá já é terrível sem obra.
– Mas não tem obra nenhuma.
– Em outubro, às vésperas da votação, haverá. Aposto com você.
– Você quer que eu diga ao Joel e à Vivi que não vamos nas Bodas de Prata deles porque você acha que, daqui a dois meses, haverá obras no caminho?
– Acho, não. Tenho certeza.
– Não quer ir, diz logo.
– Não se trata de querer. É bom senso.
– Já confirmei presença.
– Sem me ouvir?
– Se a cidade parar, a gente se desculpa, na ocasião, por não ter conseguido chegar.
– Teimosa.
– Eu, né?
– Você, sim. Quero ver sua cara quando a Vivi disser que você a esnobou.
– Como, se estou fazendo questão de ir?
– Hoje… Em outubro, ao desmarcar, ela pensará que foi por causa da minha palestra no TED. Cheia de visualizações.
– Que visualizações, Arlindo? Você ainda nem palestrou.
– 10 de outubro. A festa é 15? Ela vai achar que não fomos porque preferimos outro programa, outras pessoas. Depois de ficar popular, esqueci os amigos.
– Você, popular?
– Mesmo que eu não fique. Com as visualizações, ela achará que fiquei.
– Se você não quer ir, não vai. Mas pára de inventar desculpa esfarrapada.
– Estou tentando te proteger dos boatos.
– Boatos?
– Você nunca foi esse tipo de mulher.
– Que tipo?
– De preterir os amigos pra vigiar o marido. Quando eu disser que fui chamado para um drinque com acadêmicos, você dará cano nos amigos e grudará em mim. Medo de ser traída, depois que fiquei famoso.
– Ah, você é famoso? Popular e famoso?
– Não, não sou. Nem sei se serei. Mas é o que Vivi estará pensando. A única explicativa pro seu comportamento.
– Dai-me paciência, Senhor.
– Você costumava confiar no seu taco. Agora quer o homem em rédea curta.
– Eu só aceitei um convite pra uma festa com amigos. Daqui a dois meses. Dá tempo de você elaborar isso.
– Olha…
– Ela é minha amiga de infância! Não vou furar.
– Você não está entendendo…
– Estou sim! Não chegaremos porque haverá uma obra faraônica do prefeito no caminho. Mas Vivi achará que eu a esnobei porque, na verdade, preferi te seguir num programa nerd, com vários outros nerds.Virei uma ciumenta desequilibrada e, você, o sex symbol da Física Quântica.
– Como disse: você se precipitou ao confirmar.
– Tenho uma solução!
– Qual?
– Cancela o TED.
– Quê?
– Sem TED, não tem boato nem confusão. Ela acreditará se ficarmos presos no trânsito.
– Você é doida! Quer me ver na sarjeta, mulher?
– Sarjeta?
– Desprestigiado no meio acadêmico. Cancelado na internet. Vamos passar necessidade, hein? O salário da faculdade faz falta ao orçamento.
– Assume que não quer ir e pronto.
– Pois eu não quero!
– Mas vai! Ah, vai! Não vou ser a fofoca da festa. Sozinha, agora que o marido faz palestras importantes? Vão achar que você pensa em me largar, Arlindo! Não vou sozinha mesmo.
– Depois, o exagerado sou eu.