Há quem queira cancelar Papai Noel. Não porque “não se mente pra crianças”ou “não se alimentam fantasias”. Outro tipo: “Papai Noel é símbolo do consumismo”.
Comungo da tristeza de a data ter-se tornado tão comercial. A obrigação de comprar presentes, até quando não se tem condições, é sufocante. Mas o problema não está no mito em si. A crítica é feita na superfície, por desconhecimento. Ouso dizer: Papai Noel é o inverso do consumismo. É doação.
Primeiro, falemos sobre dar presentes no Natal. O gesto remete à chegada dos Reis Magos. Os três sábios, guiados por seus instintos esotéricos, partiram de diferentes cantos do mundo, para depositarem presentes aos pés do Menino, reverenciando e validando a chegada daquele que, acreditavam, renovaria a aliança de Deus com os homens. Os presentes são simbólicos: o ouro (reconhecimento da realeza na criança nascida na pobreza), o incenso (reconhecimento de sua essência divina) e a mirra (símbolo de sua humanidade, ressaltando a escolha de a alma divina ocupar um corpo material; para quem acredita: como homem, Deus se fez).
Séculos depois, São Nicolau, cristão devoto, oriundo de família rica mas desapegado das riquezas materiais, dedicou sua vida, inclusive como sacerdote, à ajuda de crianças e de pessoas carentes. Sua história mais famosa é ter livrado, da prostituição, três moças, cuja família vivia em extrema pobreza. Ao saber que o pai, em desespero, decidira prostituir as filhas, São Nicolau teria jogado, pela chaminé da casa da família, três sacos de moedas de ouro, poupando-lhes o sacrifício.
Essa história e sua afeição pelas crianças se difundiram e se associaram a outros elementos folclóricos europeus. Formou-se, no imaginário popular, a figura do bom velhinho, com um saco de presentes para serem doados. No correr dos anos, a narrativa ganhou novos elementos: o saco era enorme, seria distribuído entre todas as crianças e outros personagens folclóricos o ajudariam nessa missão (como os duendes, por exemplo).
Foram os imigrantes holandeses que levaram a lenda para a América. Foi a Coca-Cola (sim, a Coca-Cola!) que, nos anos 30, aproveitando-se da popularidade da história, vestiu Santa Claus, nosso Noel, de vermelho (as cores da marca) e lançou propaganda com sua imagem: ele oferecia a bebida a uma menina. Vestia casaco mais curto, um gorro vermelho, substituindo a mintra de bispo na imagem de Nicolau, e botas de couro.
Talvez tenha sido aí que o comércio se apropriou da lenda. Paradoxalmente, foi, também, quando a lenda se popularizou mundo afora. Mas tudo é sobre doação e fraternidade, tanto a narrativa sobre os reis magos como o exemplo de São Nicolau. Simbolicamente, presentes de Natal são gestos de amor e esperança, apontam para o positivo na nossa humanidade. São a doação do melhor de nós num gesto de reconhecimento do outro. Sacralizam as relações humanas. Na origem, repousa a pureza de seus significados. E, sim, o espírito natalino.
Se o homem está entendendo diferente, a culpa não é do Noel.
Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo
Uma texto necessário e muito bem-vindo sobre Papai Noel. É importante esclarecer as coisas sobre o bom velhinho. Parabéns pela iniciativa e pela bela escrita.
Obrigada, Rodolfo, pela leitura. Abraço.