ÀS QUARTAS – Noel, esse consumista…só que não!

Luann Hunt, em Unsplash

Há quem queira cancelar Papai Noel. Não porque “não se mente pra crianças”ou “não se alimentam fantasias”. Outro tipo: “Papai Noel é símbolo do consumismo”.

Comungo da tristeza de a data ter-se tornado tão comercial. A obrigação de comprar presentes, até quando não se tem condições, é sufocante. Mas o problema não está no mito em si. A crítica é feita na superfície, por desconhecimento. Ouso dizer: Papai Noel é o inverso do consumismo. É doação.

Primeiro, falemos sobre dar presentes no Natal. O gesto remete à chegada dos Reis Magos. Os três sábios, guiados por seus instintos esotéricos, partiram de diferentes cantos do mundo, para depositarem presentes aos pés do Menino, reverenciando e validando a chegada daquele que, acreditavam, renovaria a aliança de Deus com os homens. Os presentes são simbólicos: o ouro (reconhecimento da realeza na criança nascida na pobreza), o incenso (reconhecimento de sua essência divina) e a mirra (símbolo de sua humanidade, ressaltando a escolha de a alma divina ocupar um corpo material; para quem acredita: como homem, Deus se fez).

Foto: Marcel Eberie, em Unsplash

Séculos depois, São Nicolau, cristão devoto, oriundo de família rica mas desapegado das riquezas materiais, dedicou sua vida, inclusive como sacerdote, à ajuda de crianças e de pessoas carentes. Sua história mais famosa é ter livrado, da prostituição, três moças, cuja família vivia em extrema pobreza. Ao saber que o pai, em desespero, decidira prostituir as filhas, São Nicolau teria jogado, pela chaminé da casa da família, três sacos de moedas de ouro, poupando-lhes o sacrifício.

Essa história e sua afeição pelas crianças se difundiram e se associaram a outros elementos folclóricos europeus. Formou-se, no imaginário popular, a figura do bom velhinho, com um saco de presentes para serem doados. No correr dos anos, a narrativa ganhou novos elementos: o saco era enorme, seria distribuído entre todas as crianças e outros personagens folclóricos o ajudariam nessa missão (como os duendes, por exemplo).

Foram os imigrantes holandeses que levaram a lenda para a América. Foi a Coca-Cola (sim, a Coca-Cola!) que, nos anos 30, aproveitando-se da popularidade da história, vestiu Santa Claus, nosso Noel, de vermelho (as cores da marca) e lançou propaganda com sua imagem: ele oferecia a bebida a uma menina. Vestia casaco mais curto, um gorro vermelho, substituindo a mintra de bispo na imagem de Nicolau, e botas de couro.

Talvez tenha sido aí que o comércio se apropriou da lenda. Paradoxalmente, foi, também, quando a lenda se popularizou mundo afora. Mas tudo é sobre doação e fraternidade, tanto a narrativa sobre os reis magos como o exemplo de São Nicolau. Simbolicamente, presentes de Natal são gestos de amor e esperança, apontam para o positivo na nossa humanidade. São a doação do melhor de nós num gesto de reconhecimento do outro. Sacralizam as relações humanas. Na origem, repousa a pureza de seus significados. E, sim, o espírito natalino.

Se o homem está entendendo diferente, a culpa não é do Noel.

ANA LÚCIA GOSLING

Ana Lucia Gosling (@analugosling)

 

 

 

 

 

 

 

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Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, no ArteCult, há crônica nova da autora, que integra o projeto AC VERSO & PROSA junto de Tanussi Cardoso (poemas) e César Manzolillo (contos). Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

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