Sentou-se no fundo do restaurante. Via-se que tinha intimidade com o local pois cumprimentava os garçons ao saírem da cozinha.
Os olhos eram contas azuis, enormes, ressaltados pela armação dos óculos, também azulada, imitando mármore. Tudo nela se emoldurava nos tons variados da cor preferida: a bolsa clara, combinando com a saia; a blusa de seda quase lilás. “Uma porção de batatas, por favor. E um suco de laranja!”
O paladar infantil pediria doce de leite de sobremesa, depois. Sorria como criança, mostrando as unhas alongadas pelo acrigel à moça do caixa, que viera do balcão até a mesa para cumprimentá-la.
Na mesa a meu lado, dois rapazes com os olhos nos celulares; no balcão do bar, um homem embriagado e triste. Fixei nela, que luzia, com seu sorriso branco e riso espontâneo.
Tom retornou do banheiro. Pediu para irmos embora. Fez um gesto abrupto sinalizando a conta e chamou sua atenção. Ela nos sorriu. Sorri de volta, como se fôssemos conhecidas e eu nutrisse por ela o mesmo carinho que tenho pelas tias de São Paulo.
O gerente pareceu ousado ao dar-lhe um beijo. Conheciam-se. Ela se levantou da mesa e ele a girou, como no fim de uma dança. O sorriso dela se alargou ao passar as mãos em seu rosto. Dois garçons lhe disseram gracinhas porque riram, todos. Da sua bolsa, tirou um pacotinho e entregou ao rapaz. O presente minúsculo angariou um beijou no rosto e um abraço. Ela afastou delicadamente o moço, feliz, com as bochechas vermelhas. Achei graça. Uma senhora idosa, vaidosa, independente, ruborizar-se… Pudera, eu ficaria para prestar atenção nas pequenas histórias.
Tom saiu para fumar. “Quando o taxi chegar, te chamo”. O garçom me trouxe o troco. “Cliente frequente, né? Conhece todo mundo”, puxei assunto, apontando a senhora com o olhar. “Ela vem todo dia. É a mãe do gerente”.
A mãe? E eu, de longe, maldando a relação, achando que o rubor era sinal de libido, que o presente era sedução. Recolhi minha mochila e fui ao banheiro antes de ir embora. A meu lado, no lavatório, ela se debruçou, reforçando a cor do batom em frente ao espelho. Sorrimos uma para a outra. Ela forçou intimidade. “Na minha idade, tenho que estar com tudo em cima. A concorrência é alta”. Gargalhou. Libidinosa, sim, mas com inocência. Os olhos desarmados, o semblante acolhedor. Quase a abracei, sem motivos.
– A senhora está se enfeitando pro crush?
– Pra quem?
– A senhora tem um paquera?
– Namorado.
– Que coisa boa, hein?
– É gerente aqui.
Confusa, calei a conversa. Observei a mulher guardando o batom no estojo de maquiagem e o estojo na bolsa. Tentei organizar as informações recebidas. O garçom se aproximou e cruzou seu braço no dela. “Seu filho está chamando. O doce está na mesa”. Eram mãe e filho, mesmo. Os olhos azuis do rapaz não mentiam a ascendência.
Fui em direção à porta, de onde Tom sinalizava a chegada do taxi. Olhei para ela pela última vez. Dividia o doce às colheradas com o gerente, enternecida. Seu filho. Quem teria contagem de desfazer-lhe a ilusão? Naqueles olhos, via o mar. E mergulhava.