A pandemia e as guerras a ela posteriores pareciam ter-nos jogado no estado máximo de situações-limites. Mas, agora, chocam os acontecimentos no Rio Grande do Sul. Tão perto de nós, narrativas de pessoas próximas, o mundo encolhido, cabendo nas mensagens virtuais. O estado está ao lado, suas famílias, seus animais, suas cidades imersas.
Não é sobre mim. Tenho o privilégio da distância. A casa arrumada, o filho protegido no quarto, a comida sobre o fogão. A rotina inalterada me convoca a ser grata. Meus planos permanecem no lugar. Mas não durmo bem. Sonho muito, deito ansiosa e preciso meditar.
Não é comigo mas fica em mim a tragicidade das histórias. As famílias separadas, os pais que não sabem se estão vivos os filhos e vice-versa, a família soterrada e encontrada abraçada, o menino salvo pelo avô, que viu a avó ser carregada pela correnteza, o cavalo que se tornou símbolo, em pé, no telhado (de madrugada, eu pensava: como se fica no escuro, quem lhe ensina que é preciso esperar?). Os animais resgatados, os deixados para trás, os corpos de bicho e de gente evidenciados pelas águas baixando, a economia submersa: empresas, empregos, capital. Muitas imagens, muitas dores, muito difícil seguir como se o sol daqui brilhasse por toda a parte.
Há o espetáculo da solidariedade. Os gestos amorosos dos voluntários, a bravura dos heróis anônimos, movidos por compaixão ou instinto. A fé no ser humano se restaura e, assim, a esperança na humanidade inteira. Há homens vis, sim, há. Mas os exemplos de bondade esmagam os exemplos ruins.
Faço como outros tantos. Contribuo com vaquinhas, separo roupas para doações, tento colaborar em diferentes frentes porque são muitas as necessidades. Mas, da mesma forma, me sinto impotente à distância, na minha ansiedade, com os pensamentos à frente. Uma hora, a notícia sairá da capa para o fim do caderno do jornal. As vidas, contudo, permanecerão desvastadas e o futuro incerto.
Lembro-me, na pandemia, dos pedidos nos processos na vara em que trabalho. Pequenas empresas fechando, grandes empresas demitindo em massa, acordos não podendo ser cumpridos por não haver dinheiro girando. Diariamente, requerimentos de renegociações, suspensões, dispensas de recolhimentos. Dias difíceis, em que a crise alheia nos mergulhava numa tristeza individual. De novo: não era sobre nós, estáveis na crise. Mas como se sentir feliz com a sensação de que o mundo à volta desmorona?
O Rio Grande se reerguerá. Tenho a certeza disso, ouvindo o depoimento dos colegas moradores de lá, voluntários, trabalhando em favor da coletividade. Tenho a certeza disso na força com que nossa nação abraçou essa dor, unindo, até, polos contrários na direção de um mesmo objetivo. Como a vida deve ser.
No longo caminho a ser percorrido, não há dia em que não me pergunte qual nosso papel nessa história, nesse mundo, nessa vida. Certamente, não é o de espectador passivo. Não é sobre nós. Mas é conosco. O Rio Grande do Sul precisa de todos. Grandes causas sempre precisam.
DICAS DA SEMANA:
Aquilo que nunca soube, sexto livro da escritora brasiliense Luciana de Gnone, lança luz à prática da alienação parental, ambienta sua narrativa no Rio de Janeiro e apresenta uma mulher como protagonista, uma das características da escrita de Gnone. Explora, ainda, outros temas complexos, como: abandono, violência psicológica, relacionamento abusivo e ditadura militar.
Luciana Gnone é escritora de ficção policial, autora de seis romances, todos protagonizados por mulheres, e possui preferência por ambientar as tramas no Rio de Janeiro, cidade na qual reside há mais de 40 anos, apesar de ser natural de Brasília.
O lançamento do livro tem previsão para o dia 17 de agosto e estará concorrendo ao 80 Prêmio Kindle de Literatura, que reconhece autores e autoras independentes do Brasil e suas obras. O livro já se encontra disponível em formato e-Book Kindle.
O “Janelas Literárias”, encontro promovido pelo Instituto Estação das Letras – IEL, traz no dia 16/05, quinta-feira, às 18h, um encontro imperdível entre os escritores João Paulo Vaz e Marlene Lima, em que se conversará sobre o livro da autora “Por o de anda a gata?”.
O encontro ocorre “on line” e a participação é gratuita mas é preciso reservar presença através do link disponibilizado na Sympla.
Segue: https://www.sympla.com.br/evento-online/janelas-literarias-com-marlene-de-lima/
Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo