Paul McCartney no Maracanã. Encontro um lugar vazio, espremido entre uma família e um casal. Nas cadeiras, o público mistura faixas etárias. A maioria é da minha geração. Os mais novos vieram acompanhando pais e, até, avós.
Ao meu lado, pai meia-idade, mulher mais nova, filha adolescente. O pai usa oclinhos e camiseta, exibindo uma tatuagem. A filha lê. A mãe puxa assunto comigo: o marido é beatlemaníaco, a filha gosta de “Ebony and Ivory”, ela veio só fazer parte. Comprou copos da turnê “Got back” para guardar lembrança. Abana-se com o cartaz “Na na”, distribuído na entrada. Paul não reparará se o papel ficar amassado mas o calor a está derretendo.
O casal ao meu lado não conversa nem sorri para os vizinhos. Mantém o isolamento de quem foi curtir um show a dois. São educados, respondem “esteja à vontade” a quem pede passagem. A mulher tem uma mecha azul no cabelo negro. O homem, grisalho, usa blusa pólo.
Na fileira da frente, dois casais amigos conversam alto. Reconheço o sotaque nordestino. Tiram fotos sem parar. Um dos homens pula para a fileira de baixo e tira foto da namorada com o público ao fundo. Depois, pula para a fileira de cima e, apertando-se na minha frente, tira fotos dela com o palco ao fundo. Muitas fotos. Ela joga o cabelo numa, faz coraçãozinho noutra, segura “Na na” no alto da cabeça, depois na frente do peito. Ela está próxima mas ele a chama como se estivesse a quilômetros. O outro casal é mais discreto. Estende a máquina para mim. “Você se incomoda de tirar uma foto nossa? Pegando o palco?”. Claro que não! Levanto-me e os fotografo. Isso incentiva os que estão a seu lado a também me fazerem mesmo pedido. Homem, mulher e filho adolescente. Sem camisa, o menino é repreendido pelo pai: “Você não vai sair assim! Põe a camisa!”. Pai e filho vestem camisas similares, estampadas com os Beatles. Sorriem, abraçados, para o celular. A mulher, com uma camisa preta cintilante, ri também.
O show começa. O público reage, empolgado. “Can’t buy me love”. O casal à esquerda se enrosca. A família à direita se levanta com as mãos para o alto. Os dois casais à frente pulam, dançam, são espalhafatosos depois das cervejas divididas. Um me grita: “Nós viemos da Paraíba!”. “Money can’t buy me love”, grita o outro. Feliz, não me incomoda o fato de serem espaçosos. A seu lado, pai e filho se abraçam e cantam o show inteiro, levantam os braços nos mesmos refrões. A mãe bate palmas. Um vendedor de água dança no corredor entre as cadeiras quando Paul toca “Live and let die”. Grita “uhuu” ao ver os efeitos de luz e fogo.
A plateia é puro carinho. Com a lanterna do celular, ilumina balões coloridos em “Ob-la-di, Ob-la-da”. Levanta o cartaz de “Na na” em “Hey, Jude”. Emociona-se nos clássicos. Um grande abraço de gerações acontece ali. Famílias inteiras. Amigos espalhados pelo estádio. Fãs dos Beatles e fãs de Paul, de sua carreira sólida e revelante, sem estar à sombra da banda que o consagrou.
Saio em direção à Tijuca. As ruas fechadas, seguras. O show rememorado nos diálogos dos que caminham a meu lado. “De que cor era seu balão?”, me perguntam.
Que noite! Que ícone! Que sorte estar confundida no coro e nas cores dessa plateia.
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com César Manzolillo