Minhas curvas convidam os homens a se perderem em mim. A silhueta montanhosa, o corpo fluido de mar que, vez ou outra, fica cristalino. Mas não se iluda: onde pareço Caribe, sou Ipanema.
Nessas curvas, o sol se esconde no fim das tardes, avermelhando meus cabelos. Câmeras captam a arquitetura enegrecida em contraste com a paisagem ruiva. Meus contornos se reconhecem dos postais espalhados mundo afora, não só no fundo de oficinas. Tanto o Cristo quanto o Piranhão conhecem a penumbra até as luzes da noite revelarem meus brilhos. Como strass, cintilo pela orla, nos monumentos, pelas ruas desertas e ressalto o branco dos meus Arcos.
A manhã azula minha pele. Reflete o céu. Alternam-se os tons de verde que me cobrem. Meus frutos se espalham e atraem os pássaros. Nutriz, com eles aleito os pedestres. Muitos se desperdiçam sobre o asfalto; outros são devorados pelos desabrigados.
À luz do dia, todos tocam meu corpo. Banham-se nas minhas águas. Pisam nas regiões arenosas. Andam pelas ruas. Uns são gentis, sem pressa, e seus caminhares me acariciam. Outros, no frenesi de suas rotinas, machucam minha pele. Exibo os grafites tatuados nas minhas periferias e ostento as minhas jóias: as flores abertas nos jardins cultivados pelos bairros. Olhares me desnudam, mesmo sombreada pelas brechas do Mergulhão ou pelos túneis penetrando as paisagens.
A maioria só me vê na superfície e ignora minhas feridas. Desperto desejos, fazendo gente imaginar uma espécie de sede nortista saciada em mim ou um frio sulista neutralizado pelo meu calor. Abrigo a todos. Mas não se engane: onde pareço oásis, sou deserto.
A chuva cobre meus encantos. Quem me retira os véus, me encontra envergonhada. No colo pequeno, não cabem os desamparados. Os canais se entopem de lixo. A aquarela se desbota, desmanchando desenhos perfeitos. Sou arisca, chão frio onde repousam homens com fome e sede. Não os protejo. Ajo por instinto. Minha raiva se nota quando avanço, em ondas, contra os aterros com que me tentam domar.
Essa revolta, meus filhos exilados a herdaram. Empurrados para os morros, vivem em barracos e não em cabanas. Planejam, sob projéteis e esquecidos das estrelas, um dia, se apossarem do meu corpo. Sofrerei se me tomarem com violência. Conto com sua resiliência e torço por sua esperteza. Em suas decisões, esboça-se o futuro. Eu lhes sorrio enquanto zanzam entre os carros, armados de biscoito e água mineral ou equilibrando sonhos numa pausa dos sinais de trânsito.
Sonho ser retrato sem filtro. Ser bela sem maquiagem. Sem purpurina, fazer minha pele brilhar. Sem misérias, ser fiel à alegria dos meus batuques. Sonho a brisa morna suburbana contaminar o ar com acolhimento. Sonho ser bonita por dentro e por fora. Não sou só volúpia. Anseio seduzir quem me possa dar amor.
DICAS DA SEMANA:
OFICINA DE LEITURA – “SÃO BERNARDO”
Luiz Antonio Aguiar, escritor consagrado e professor, oferece mais uma instigante oficina de leitura. Dessa vez, em mesa, estará o clássico romance nacional “São Bernardo”, de Graciliano Ramos.
Com suas intertextualidades e à luz da contemporaneidade, as oficinas de leitura de Luiz Antonio sempre provocam ótimas discussões e novos olhares sobre a obra analisada, num ambiente rico e democrático para o debate.
Os encontros acontecerão às segundas-feiras, por cinco aulas, iniciando-se em 04 de novembro, sempre entre 19 e 21 horas, através da plataforma Zoom.
Mais informações: encaminhe email para literaturadoencantamento@gmail.com
“GINGERS – UMA OBRA DE ARTE DO TEMPO” – INGRESSOS À VENDA
Ainda dá tempo de assegurar seu ingresso para assistir ao espetáculo “Gingers – Uma Obra de Arte do Tempo”, que ocorrerá nos dias 25 e 26 de outubro, às 17h, na Sala Mário Tavares, do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Os ingressos estão à venda na bilheteria do Teatro Municipal e, também, através do link https://feverup.com/m/254215?preview=67e9e89d.
O grupo, formado, em sua maioria, por mulheres que aprenderam a sapatear na terceira idade, realiza o sonho de apresentar seu espetáculo, sob direção artística de Rafaeli Mattos, idealizadora do projeto e professora dos “Gingers”, como se autointitulam seus membros participantes.
Rafaeli Mattos, uma das colunistas da Editoria de Dança deste Portal, traz à cena o desafio de criar e coreografar pessoas entre 53 a 90 anos, material humano não-artístico, para discutir como o envelhecimento pode ser uma fase significativamente bela da vida. Inspirados na atriz de Hollywood Ginger Rogers, esses idosos decidiram envelhecer com todo glamour de uma estrela de cinema, tornando a arte do sapateado seu projeto de vida de velhice e nos deixando pistas de como envelhecer com felicidade.
O grupo conquistou o patrocínio para a realização de seu sonho, através de uma participação vitoriosa no quadro “The Wall”, do programa Domingão do Huck, em que, também, apresentou uma de suas coreografias.
Eu estarei no palco, com meus amigos, vivendo o sonho. Venham!
Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo