No Marrocos, as cidades à beira do Saara são parecidas, se avistadas da estrada. As construções em cor de barro sugerem aridez. Mas nos enganam: há estúdio de cinema, com estátuas grandes, no estilo hollywoodiano, locações de filmes famosos e, também, um vale de rosas.
Voltava a Marraqueche, depois de dois dias no deserto. O primeiro, pernoitado num hotel tradicional, com tapetes coloridos sobre o chão de terra. O segundo, abrigada numa tenda, após uma noite em que o frio e o céu, furado de estrelas, me lembraram da minha saudade.
Eu tentava ignorá-la. Olhava, pela janela do carro, as pessoas caminhando pela via. Mulheres cobertas, apenas com os olhos de fora. Homens também. “Eles se cobrem mais pelo sol e pela poeira do que pela religião”, me disse o guia. Vestes coloridas contrastavam com o fundo marrom. Emocionada pela noite no deserto, eu os emprestava minha melancolia.
Pausamos a viagem para água e banheiro, às portas do Vale das Rosas. “Rosas?”, estranhei. “Sim, rosas”. O encantamento se descortinou no meio do dia: há, no deserto marroquino, um vale em que se cultivam rosas. Brotam na areia e são colhidas por mulheres e vendidas às cidades vizinhas. Transformam-se em todos os produtos de beleza que se possa imaginar.
A entrada da loja simples, à beira da estrada, não revelava muito. Do chão ao teto, distribuídos em prateleiras, variados artigos de beleza, higiene, perfumaria, óleos. Uma Granado inteira de produtos à base das rosas cultivadas no vale.
Um atendente me contou curiosidades. Cinco toneladas de rosa produzem um litro de óleo. Num ano, colhem-se três ou quatro mil toneladas delas. Não se sabe quem trouxe roseiras para a beira do Saara. Diz-se, sem certeza, que teria sido um peregrino, vindo de Meca, há séculos atrás. Eram plantadas em torno das frutas e dos legumes, impedindo os animais de devorarem a horta, até virarem, elas próprias, o plantio que sustenta uma cidade.
Queria tê-las visto espalhadas pelo vale. Quando estive lá, não haviam brotado. Florescem, somente, entre abril e maio. Há uma festa para recebê-las, com a coração de uma Rainha das Rosas. Vi fotos penduradas das moças escolhidas nos anos anteriores.
Tudo nessa história alimentava meu coração. Na véspera, eu pisara a areia do Saara, talvez o desenho da última página de “O Pequeno Príncipe” ou o chão de Bark, o escravo liberto de “Terra dos Homens”. Deitara sob as estrelas do deserto ao lado do meu filho. Agora, tomava conta da minha imaginação um campo de rosas com festa e rainha, colorindo o barro da paisagem.
Meus olhos cobririam o resto do caminho com otimismo. Rosas brotarem no deserto é uma espécie de milagre. Quem sabe nos seja, também, possível florescer sobre nossos desertos? Saí dali torcendo por isso.
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com César Manzolillo