ÀS QUARTAS – Essas em mim

Foto: Greg Rakozy, em Unsplash

 

Dois anos de relação temos nós: eu e você, leitor. O texto comemorativo e informativo diria que a coluna nasceu da descoberta pessoal do prazer de escrever crônicas mais do que outros textos. O prazer que virou entusiasmo e pleiteou ao nosso editor um lugarzinho semanal pra exercê-lo. Mas, como amor bom é amado junto, o gesto virou projeto da editoria. E se déssemos as mãos e, além de crônicas, tivéssemos contos e poemas? Cerca de um ano depois, chegaram Cesar Manzolillo e Tanussi Cardoso, escritores maravilhosos, para tornar luxuosa essa aliança com a literatura. Somos mais. Um projeto: AC Verso e Prosa. Um propósito: conexão com a vida, a beleza, as dores, os entendimentos, pela literatura.

Dois anos merecem comemoração. Meu coração está em festa. Embriagada nessa alegria, ando desinibida. Dois anos nos permitem algumas intimidades. Por isso, me arrisquei num texto pessoal e autobiográfico, fazendo de você, leitor, meu amigo próximo nesta semana de celebração. Puxa a cadeira, vem me ouvir. Espero sempre encontrá-lo aqui.

ESSAS EM MIM

“Ana Banana no país das frutas”, brincavam as crianças. Eu era gauche. Gostava de estrelas no meu ditado só por serem douradas. Ganhava-as por decorar o desenho das palavras.

Ana Lúcia pra professora, pros tios e avós me diferenciarem das outras anas, na escola e na família. Minha mãe me chamava de Nica, Niquinha, embora eu não fosse Mônica. Meu pai, de Chirimbinha, nunca soube por quê. Meus irmãos me chamavam de muitas implicâncias.

Aninha surgiu na adolescência: “aninha ô aninha não me venha com essa”. Eu queria ser como as meninas da Blitz, coloridas, usar batom vermelho com brilho labial, dançar. Mas era tímida. Até Ana Lúcia descobrir sua potência, sua identidade. Me distinguir na faculdade, nos grupos, no trabalho. Ana Lúcia sou eu entre tantas anas, tantas mulheres. Aninha é meigo – me acolhe num abraço amigo – mas me enfraquece diante do alvo romântico; é uma farpa. Nenhum homem interessado me chama de Aninha: melhor amiga, irmã, pessoa meiguinha que se quer proteger mas não ter o trabalho de se amar.

O homem que, um dia, amei também me chamou de Aninha quando o amor acabou. Foi quando eu soube. E você, agora, riscou essa linha entre nós. Se a respeito, não corremos perigo, mesmo eu querendo, às vezes, atravessá-la, encostando meus seios em suas costas, cercando seu peito com minhas mãos. Me olha de um outro jeito, vai. Aninha corta o tesão; é “bochecha com bochecha”, beijo sem lábios. Você se esconde, eu me ressinto. Recostamos os corpos nas cadeiras, afastados, pagamos a conta do café e supero.

Ana Lúcia é minha força. Sou eu, sem diminutivo nem proteção, quem sempre fui. Não tenho culpa se você não notou antes. Ana me diferencia como mulher da mãe Maria. O resto dos nomes é igual. Mas Ana Lúcia não é Maria Lúcia. Ela era mais; era mar de luz. Mas ser outra me alivia. Tenho a ilusão de ter escapado do que a engoliu. Sei que não vou pro mesmo céu. O mundo ficou pior por ela partir e não ocupo tanto espaço nele. Mas escolho ser assim porque sempre quis ser mais feliz. Ser cristã sem dogmas, fazer terapia, amar esperando em troca. Saber que Deus não é soberano sempre; às vezes, a minha dor é.

Talvez eu tenha sacado tudo, talvez esteja perdida, mas pro inferno não vou. Não faço mal a ninguém. Oscilo: sou melancólica – vê minha escrita – mas sou espirituosa. Há quem me ache engraçada. Ando tentando escrever leve, crônicas, mas tudo vem. Apago, remonto e vem. Não tem sido fácil. A vida mudou rapidamente ou eu fiquei anestesiada mais tempo do que percebi.

Minha mãe dizia que tenho vocação pra felicidade. Tenho mesmo! Eu sigo, sempre sigo.

 

ANA LÚCIA GOSLING

@analugosling

Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:


com Ana Lúcia Gosling

com César Manzolillo


com Tanussi Cardoso

 

 

Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, no ArteCult, há crônica nova da autora, que integra o projeto AC VERSO & PROSA junto de Tanussi Cardoso (poemas) e César Manzolillo (contos). Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

5 comments

  • E continue seguindo, minha vida. Em direção ao Sol da vida pra continuar nos encantando com textos tão especiais. Parabéns!

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  • Ana Lúcia, muito obrigado por esses dois anos de coluna Às Quartas e todo esse tempo (já perdi as contas) que você já é colunista de Literatura do ArteCult! Muito obrigado por tanto talento e sensibilidade em seus textos !!

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  • Mas que texto maravilhoso! Que leitura agradável e que oportunidade de conhecer mais essa cronista fantástica. Parabéns!

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  • Lindo! Minha querida amiga de tantos anos Ana Lúcia com todas as letras e a força do seu nome. Ana é um nome de origem hebraica que significa “cheia de graça” .Já Lúcia tem origem latina e significa ” luz”. Quando combinado, ao gosto de sua mãe torna-se uma combinação poderosa. A combinação dos nomes Ana e Lúcia é clássica e atemporal, nome vintage.
    O homem que a chama de Aninha não conhece o poder de Ana Lúcia, ele que é o maior perdedor.
    Meus pais nunca me chamaram por nenhum diminutivo ou termo carinhoso. Sempre fui Natália desde criança. O mais engraçado que na fase adulta no trabalho alguns me chamaram de Naty. Estranhei um pouco! Falta de costume! Acho que por isso não sou acostumada ao diminutivo!
    Bj de sua amiga que a admira muito.

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  • Quantas mensagens lindas! Gratidão por cada uma delas! Tanussi, obrigada, sempre, por esse carinho e essa aposta semanal nos meus textos. Rodolfo, que honra sua chegada a essa página. Rapha, estamos juntos e agradecidos um ao outro por tanto. Seguiremos! Natalia, obrigada por uma vida de amizade, carinho e confiança. Te amo, amiga!

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