Pedro Américo da Silva. Seu nome apregoado pelo cartório. Vigilante na empresa da rua transversal. Chegou às 8:07h à audiência, infartou às 8:10h. Caiu no chão, com uma expressão lancinante, agarrado à mochila jeans.
Era autor numa ação. Fora demitido sem o pagamento das verbas rescisórias. Cumpriu seu turno no novo emprego, naquela madrugada, e veio, sem dormir, para a audiência marcada há meses. Não pedira dispensa para não ser descontado. Veio a pé, economizando o táxi. Na entrada do prédio, recebeu a ligação da advogada: “se não chegar em cinco minutos, o juiz arquivará seu processo”.
Estava atrasado. Os elevadores demoravam a escoar a multidão no térreo do fórum. Subiu, por nove andares, as escadas, pulando degraus, como pulara a refeição da manhã, preservando o dinheiro do ônibus que o levaria, depois, para casa. Correu, como viera pelas ruas, num trançado entre os carros engarrafados na Avenida Chile. Entrou na sala de audiências, avermelhado pelo esforço, no prazo concedido. Sem fôlego, diante de todos, ruiu, derrubando uma cadeira. Abriu-se um clarão em torno do corpo retorcido, sufocado, que gritava por ajuda, embora não pudesse verbalizar.
A sala esvaziada. Bombeiros, médico. Massagem cardíaca, injeções de adrenalina. Seringas, embalagens, agulhas, toalhas. Pedro saiu sem vida dali, mas com o coração batendo. Sem pedir desculpas pelo atraso de minutos. Sem ouvir o pesar do patrão por precisar lançá-lo à sorte sem a remuneração dos dias trabalhados. Sem contar sua história nem qualificar-se nos autos.
Adiaram-se as sessões por horas, para a higienização do ambiente. Os presentes poderiam voltar após o almoço.
O homem seguiu sozinho na ambulância. Sua advogada substituía um colega e não conhecia o cliente. Mas deveria haver uma família. Na mochila jeans, um crachá, mais nada. No autos processuais, a informação: era casado.
Pedro, 43 anos, vigilante, brasileiro, casado. Pouco dinheiro na carteira: o suficiente para duas passagens. A empresa cujo nome estava no crachá informou o telefone no cadastro de empregados. Uma criança atendeu à ligação. Sua pequenez se adivinhava no tom com que disse: “Pedro é o papai. Eu sou o Fabinho”.
O agente de segurança interrompeu o telefonema. Precisou levar a mochila embora. “O cara não resistiu, não. Morreu na ambulância”. “Fabinho…”, filho de Pedro, órfão na primeira infância. “Pode chamar sua mãe ao telefone, meu amor?”.