Desembarco num mundo de ostentação. Exibe-se a riqueza das suas construções. Cobre-se a cidade de luz, alardeando-se a fartura de gás e carbono e, consequentemente, energia elétrica. No segundo maior centro comercial do mundo, avizinham-se 1200 lojas, enfileirando-se as maiores marcas: Cartier, Gucci, Prada, Louis Vitton, Ralph Lauren, Bloomingdale’s, Galeria Lafayette, entre tantas. O maior arranha-céu do mundo, o Burj Khalifa, se faz notar, com seu corpo espelhado, de contorno elegante. Aos seus pés, um show de fontes obedece ao ritmo de canções clássicas. Como no Bellagio, de Las Vegas.
Tudo é hiperbólico. Perfeitamente cuidado. Tecnologia de ponta.
Sobem-se mais de 100 andares no Burj Khalifa, rapidamente, apenas com uma leve pressão nos ouvidos. O mesmo para chegar-se à Aura Skypool e sua borda infinita, a cinquenta andares acima do chão.
O mar cerca a cidade. Um sheik que, criança, amava construir castelos na praia, sonhou construir ilhas no deserto. Nelas, há condomínios, brisa, coqueiros, marina. Formam a silhueta de uma palmeira: The Palm.
Navega-se no mar, com o fundo iluminado por renovados réveillons. Pela marina, correm crianças e drones desenham no céu. Restaurantes. Uma roda-gigante que não gira mas espalha raios de néon. Espreguiçadeiras na praia. Música internacional ao fundo. O single vingativo e empoderado de Shakira ecoa no ar, paradoxalmente, como pano de fundo para as mulheres das famílias indissolúveis diante de Alá.
A cidade não tem um rosto. Misturam-se etnias: povos originários, imigrantes, turistas. Os imigrantes dominam os cenários. Abrem sorrisos, confessam gratidão por alguma perspectiva, muitos saídos de países pobres. Salários baixos exploram sua esperança. A pista de que o glamour é artificial está nas expressões das gentes. Nessa Babel, o inglês é convenção, com sotaques variados.
Uma amiga, do Brasil, me manda um artigo sobre Dubai: insustentável! Fala, entre outras mazelas, sobre a explosão demográfica, as alterações climáticas, as fontes não renováveis condenadas ao esgotamento. Placas solares se espalham sobre os prédios antevendo a crise energética. A exploração da mão-de-obra imigrante, muitos divindo, com cinco, seis outras pessoas, quartos com apenas um cômodo, num calor de 50ºC. Diz-nos um guia brasileiro que, apesar de serem pobres, têm o mínimo: saneamento, luz elétrica.
Para os que não conhecem as leis muçulmanas, impregnadas nas regras do Estado, é preciso encontrar sentido próprio às restrições impostas. Beber é um hábito caríssimo e só permitido, reservadamente, nos hotéis e em poucos restaurantes. Se uma mulher der à luz um filho sem pai, o homem vai preso. Só podem morar juntos casais casados pela lei. Nada de carinhos em público. Não se pode juntar as mãos, num coração, em local sagrado. Nem fazer “v” de vitória. No vagão de mulheres, se um homem entra, sai multado em grande valor. Tudo a cidade vigia, quase totalmente monitorada por câmeras. Policiais andam sem uniforme nas ruas, entre os cidadãos. A ideia de ter um a seu lado, sem saber, reprime o ímpeto de cometerem-se crimes.
Não há população de rua. O desempregado é deportado. Não há Previdência Social nem, portanto, aposentadoria. Se há gratidão no olhar daqueles que encontraram condições de vida, também há solidão em outros.
Ao redor dos hotéis, distribuem-se pequenos panfletos de garotas-de-programa. Caminhamos sobre o paradoxo da prostituição explicitamente consentida na mesma terra onde o homossexualismo é crime.
Homens amigos caminham de mãos dadas. Mulheres muçulmanas podem trabalhar. Encontramos poucas, no entanto. “Não precisam”, nos diz o guia. Na cultura em que a obrigação de sustentar a família repousa integralmente sobre o homem, casar-se é garantia de ser provida. Muitas não se interessam por profissões. Outras não encontram espaço dentro da família.
Há muitas usando burka (corpo todo coberto) e niqab (véu que só deixa os olhos de fora). Outras usam véus somente sobre os cabelos e o pescoço. São lindos seus rostos emoldurados, maquiados e suas roupas têm detalhes.
Os muçulmanos de Dubai revelam sua riqueza (ao contrário do aprendido numa viagem ao Marrocos, onde as vestes cobriam diferenças, para não despertarem inveja nem tristeza). Os punhos e as barras bordadas com brilho ou rendadas distinguem as mulheres mais abastadas das comuns. Os turbantes e grutas masculinos variam nos tecidos. Os mais ricos, usam-nos de linho, às vezes com um discreto bordado na barra.
Dubai é linda. Sua engenharia de ponta, sua arquitetura futurista, os prédios espelhados que se azulam refletindo o céu. Cartão postal permanente. À noite, de carro, atravessa-se a cidade sob os neons das fachadas das lojas, numa infinita Time Square. O avatar urbano imposto à alma desértica, lembra Las Vegas. Mas não me apaixono. Faz-me falta mais herança cultural. Tudo parece vir de fora, inclusive as mercadorias vendidas no souk antigo, onde nos fartamos de chás, tâmaras e chocolate ao leite…de camela! O ouro, mais barato do que aqui, molda jóias exageradas que poucos podem comprar.
Pegamos o caminho para o deserto. O céu azul e limpo desce à paisagem. Como crianças divertindo-se, andamos de quadriciclo, enquanto o sol se põe no cenário de areia. Num oásis, encontramos camelos, falcões, jantamos, assistimos a shows.
Na mesquita de Abu-Dhabi, sinto a vida desacelerar. Do chão ao teto, ela é branca. Há pedras compondo flores e ouro desenhando tamareiras nas pilastras. Um lustre de ouro 24k, vidro murano e cristais swarovski, um portal dourado para o Paraíso, diante do qual há um tapete imenso, feito por 1200 artesãs, sobre o qual se ajoelham homens penitentes. No ambiente suntuoso, reenquadra-se a humildade e alardea-se a tolerância.
Nesse corpo arenoso e nessa alma religiosa se escondem os traços ocultados pela selva de pedra e luz. O humano marchando sob o sol nas dunas de areia ou ajoelhando-se diante do divino, um dia sonhou criar, do zero, um mundo inteiro. Homens também forjam milagres. Pelo menos, é o que nos contam os recantos de Dubai.