Eu me lembro do momento exato em que fui criança pela última vez: quando precisei seguir sem você. Um mar se desenhou entre nós, separando-nos. Você, além de onde eu poderia estar. Eu, percebendo seu vulto se dissipando, distante.
Minhas mãos repousaram sobre as suas nos últimos instantes. Minhas mãos seguravam as suas até desenhar-se entre nós uma divisória imaginária. Você escorregou de mim e desse lugar. Deixou o barco abandonar o cais. Seu calor ficou. Até eu perceber, você já longe, a anestesia dos dedos e o esfriamento da pele. Uma constatação súbita para quem se negou a notar que você me deixava devagar. Primeiro, a mente. Depois, o coração. Agora, o espírito.
Era eu quem navegava. Era eu obrigada a seguir. Eu, lançada a uma vida além daquele momento, olhando seu sorriso desaparecendo, sua imagem se perdendo nas lembranças deixadas para trás. Tentando recuperá-lo nas fotos, nos textos, sem nunca mais ser capaz de sentí-lo. Nem os cheiros, nem o calor, nem a textura.
A última vez em que fui criança, eu já era adulta. Mas voltei a ser pequena, sem saber comportar-me. Querendo um abraço, quando não era mais possível. Muda. O adeus sacramentaria a despedida. Embora soubesse haver chegado a hora, ressuscitei uma fé infantil: a mágica do tempo congelaria, o dia amanheceria e venceríamos a madrugada. Ficaríamos ali, quietos, presos no momento. Seríamos sempre nós dois, o nosso amor, um cuidando do outro; seu colo para mim, minha força para você.
Quando a realidade nos abraçou, fiquei sendo só essa parte esvaziada de mim: a que sente dor e solidão, a que caminha procurando sentidos. Sem colo nem consolo dos pais. Sem me chamarem pelo apelido de infância. Sem ninguém sentir tão sinceramente minha ausência ou procurar por mim se eu não chegar. Sempre acham que chegarei. Só você tinha medo de eu perder a direção. Só você perdoaria os meus pecados amorosamente.
Costumo espreitar os navios chegando no cais, na esperança de você ou alguém embarcarem a criança que fui e deixei no porto, quando nos despedimos. Conto com ela para ensinar-me, de novo, a sorrir e a contar estrelas no céu, como aprendeu com você. Qualquer dia desses, ela precisa achar o caminho de casa.
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com César Manzolillo