Abdômem, bíceps, coxa, você malha. Mas joelho, não, né? Ele é como uma presença inconveniente e obrigatória nas festas. Não tem assunto, não protagoniza histórias de bravura. “Me carregou nos braços”! “Meu coração é seu”! Mas… se o neném é feio, tem “cara de joelho”. Se alguém fracassa ou se rende, “caiu de joelhos”.
Ele é importante, a maior articulação do corpo. Se ignorar isso, ele encontrará um jeito de ensiná-lo. Espreita brechas para sair do ostracismo. “Vai me maltratando, vai, para você ver…”
No sapateado, aprende-se a dançar com os joelhos flexionados. O segredo é revelado logo na primeira aula. Saiba, marombeiro: se não dobrar os joelhos, você é nada.
Eu e os meus nos dávamos bem. Até eu cair de um quadriciclo e bater o direito no chão. No momento de dor, ao invés de mimá-lo com gelo e pomada, fui arrogante. Cheguei dando decisão: “Não falha, cara! Estamos viajando, não me arranja problema!”.
Ele entubou a exigência. Pude andar, subir e descer montanhas. Achando que tínhamos um acordo, poupei esforços ao direito, sobrecarreguei o esquerdo, redividi as tarefas. Enquanto isso, ele ruminava uma vingança.
Semanas depois, noutra viagem, o joelho direito se revelou um “transformer”. Assumiu a forma de uma bola de tênis, depois, a de beisebol. Curvei-me, sem conseguir ajoelhar-me. Pedi que esperasse voltarmos para casa. Prometi médico, pão-de-ló e cocada. Apelei: estávamos na Grécia, eu não falava grego, como poderia exigir tudo necessário para seu conforto? Ele aceitou o argumento mas ficou falhando, vez ou outra, para reavivar a promessa.
Quis um simples raio-X, ele me exigiu um “book” nuclear. Parte da revanche foi submeter-me a uma ressonância magnética. Exibiu-se em vários ângulos: tendão lesionado, bursite, líquidos e sangue acumulados. Edema importante. Ficou se achando.
O plano deu certo: ele assumiu o protagonismo de todas as histórias. Nunca mais ocupou o canto da festa. Só se fala dele. “Tudo bem” virou “como está seu joelho”. Nem corações partidos importam.
– Ele disse que ligaria, não ligou.
– Melhor assim.
– Meu coração merece um descanso?
– O joelho! Quieta, em casa, você descansa o joelho.
Está vivendo seu auge. Abraços de bolsa quente, pernas para o alto, acupuntura, fisioterapia, choques leves. Amargo seus caprichos. Nada de dança, Bienal nem pensar, vetada longa caminhada. Peguei engarrafamento e ele me fisgou a noite inteira, me lembrando de que não devia dirigir.
Malcriado, ele. Muito malcriado.