Descobri o casulo há uns dias, pendurado na Lágrima-de-Cristo. No meu apartamento urbano, qualquer fenômeno da natureza é tratado como um acontecimento importantíssimo. Se houvesse cornetas na casa, soariam. Acalentei o sentimento infantil de ver surgir uma borboleta colorida.
Curiosa, pesquisei sobre casulos e a ilusão se desfez. O meu era de um Bicho do Cesto e a história da espécie me deixou triste. O macho desponta mariposa marrom e voa atrás de uma fêmea pra reprodução. A fêmea mantém o corpo de larva e, sem pernas e sem asas, passa sua curta vida no casulo, liberando feromônios pra atrair o macho e fecundar de 3500 a 6000 ovos. Em pânico, pensei: se for fêmea, não poderei deixá-la lançar uma praga na minha varanda.
Criei empatia na rede social, ao postar a descoberta. Amigas desabafando como é difícil ser fêmea, não importando a espécie animal. Entre lagartas e humanas, vida de fêmea é sacrifício.
Acabou a euforia, diante da hipótese de precisar-se eliminar a fêmea, impedindo-a de cumprir o único sentido de sua existência. Mas, com uma noite de sono, a resposta pra essa inquietude me saltou absurdamente óbvia: se for fêmea, vou soltá-la na mata!
Voltei a agradar-me do casulo. Fascinante a engenharia daquele objeto tão fragilmente construído com fios de seda, folhas e galhos. Os galhos cortados, todos, do mesmo tamanho e com a mesma espessura, arrumados num arranjo simétrico. Mais incrível ainda é que o casulo seja idêntico aos feitos por outras lagartas em outros lugares do mundo. Todas destinadas à reprodução de uma mesma obra funcional, segura e de beleza rara. O dedo mágico da Criação.
Não sou a única a notar a beleza artística de uma peça assim. Há quem saiba muito mais. Um amigo comenta sobre Hubert Duprat, artista plástico francês. Ele teve a ideia de aprisionar uma espécie de larva aquática (as tricópteras) em aquários, deixando-lhe disponíveis pedras preciosas, fios e pepitas de ouro. Com esse material, as larvas constroem seus casulos e o artista fotografa e filma o processo e o resultado. Permite à obra final ser impermanente (sem solda, os fios não se mantém ligados por muito tempo) e, com isso, provoca várias reflexões, desde o papel da arte contemporânea até entrelaçamentos religiosos. Casulos de ouro desenhados pela Natureza.
Aqui, o casulo passou a mudar de lugar. Seria a lagarta se movendo no interior ou o vento? Montei guarda até ver surgir a cabecinha do bicho. Chegara a hora da revelação: macho ou fêmea? Mariposa ou lagarta? Vôo livre ou vida enclausurada? Até pôr meio corpo para fora, demorou um dia inteiro. Uma fêmea, sem asas. Saiu linda, com o corpo rajado de marrom e creme, muito ativa, contorcendo-se na direção das folhas. Pra onde vai, leva o casulo nas costas. Não o abandona. Dei-lhe nome: Madalena. Minha Madá. Ficou num recipiente grande e bem arejado, com galhos e folhas, até que fosse solta na mata. Amigas, amigas, praga de filhotes à parte dos meus hibiscos e da minha jabuticabeira.
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com César Manzolillo