
Foto: Austrian National Library, em Unsplash
As notícias do fim da guerra não trouxeram tanta alegria como se pretendia. Uma incerteza ficou no ar. Uma sensação de que não se dizia toda a verdade. Pisava-se o chão, desconfiado do chão.
O cenário da destruição acirrou os desafetos. Expunha feridas. A ternura foi enterrada nos acenos frios, por aqueles que desaprenderam a intensidade do abraço.
Retornaram ávidos e urgentes, esmagando a Natureza contra as limites que ultrapassou. Tentando erguer novas paredes. Engolindo o choro e o luto interditados. Conscientes da impotência. Gastos, frágeis.
Nenhum dia de sol, nem o vento na janela foi capaz de restaurar os sonhos afogados por interesses políticos, econômicos. A memória dos que partiram sem rituais atordoava, deixando corações desaquecidos. Os lugares vazios à mesa da tranquilidade. As tradições protegidas sob as lágrimas de saudade.
Ficaram, cara a cara, com a verdade sobre o que eram. Moeda de troca. Cobaias. Massa que se manipula pelo sim ou pelo não, para o bem ou para o mal, a vida ou a morte, conforme o benefício. Ou o calor da discussão. A ilusão de a alma humana evoluir evaporou nos primeiros combates, adiando o projeto de espiritualização da vida. Voltaram os espíritos a seu estado bruto.
Nem valores éticos, nem religião: nada restaurou a fé, nos primeiros dias. Os primeiros reconhecimentos, dias após, foram recriando identidades. Humanas e divinas. Lendas de heróis, histórias de mártires, vidas de santos.
Amizades interrompidas pela morte. Diluídas em embates ideológicos. Romances com finais infelizes. Para muitos, faltava energia para novos encontros. Queriam o espaço do silêncio, da introspecção, onde moravam certezas. Buscavam conexão com um mundo que não existia mais.
Não foi a luta que lhes adoeceu o espírito; foi o desamor. Não foram os mortos mas, sim, os sobreviventes que partiram, atingidos na alma e na voz. Onde o trauma se instalou, não floria a esperança.
O verbo fora esmagado pela força.
Em algum lugar, ideias brilhavam mas não era ali.

Ana Lucia Gosling (@analugosling)