Não me venha com essa conversa de encontro de almas. O que sinto não é sublimação. Meu amor se ressente da ausência do físico. Preciso sentir aqueles que amo. Beijar, abraçar.
Digo a você: nem o amor espiritual se rende à abstração total. Forjamos uma materialidade às entidades: absorvemos o corpo na hóstia, entregamos oferendas. Impomos as mãos para uma energia divina tocar o corpo do outro.
Para mim, querer você é natural se, quando conversamos, meus pensamentos se tornam menos solitários; se tenho vontade de nos aproximarmos. A seu lado, abrandam-se minhas angústias. Seu olhar me adorna; o meu o reconhece. Sinto ternura e desejo; conforto e lascívia.
Podemos, até, deixar de lado sentimentos mais profundos, nos divertindo apenas com nossas pulsões. Mas o contrário não existe: o amor não abandona o desejo. Ele precisa do contato físico.
Já não me serve, apenas, a subjetividade que nos aproximou sem a sua presença real. Sua voz esperada ao pé do meu ouvido. Os afagos, antes ao pensamento, materializados em meu corpo. Sua língua silenciada por roçar a minha.
Não nos misturaremos: serei quem sou e você, quem é. Mas nos ajustaremos, naturalmente, como numa dança. Nesse encaixe, dividiremos muitas coisas. Seus dedos atravessarão meus cabelos. Minha mão tocará o seu sexo. Seus lábios me sugarão pelos seios. E eu desejarei ir mas ficarei presa ao corpo, limitante, nessa entrega. De olhos fechados, pensarei imergir em você e, em ondas, você desaguará em mim. Esse querer e não poder fundir-se nos fará continuar tentando, mesmo inócuo o esforço, até o cansaço chegar.
Depois não haverá silêncio. Mesmo que não falemos, ainda que adormeçamos, não haverá silêncio. Tudo o que nos uniu sob esse mesmo teto forrará a nossa cama. Se você se virar de costas, ainda o sentirei colado em mim. Se eu levantar para beber água, saberá que voltarei para me cobrir com seu lençol. Seremos íntimos e, mesmo se terminarmos em casas separadas, permaneceremos ligados, até a rotina esvaziar a bolha dessas horas.
Atravessaremos os dias pela certeza do reencontro. Lerei suas mensagens, você ouvirá meus áudios. Criticaremos as mesmas inconsistências, admiraremos as mesmas lógicas. Continuaremos a nos amar, compreendendo a gana nascida do amor ser uma necessidade. Por isso, mesmo o tempo a modificando, sabemos, não se encerrará com a distância, com a idade ou numa noite só.
Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo
Hoje,,a Ana se superou, se isso é possível, tal a magnitude de seu trabalho . Lírico, amoroso, poético, um texto impecável. Parabéns! É sempre um prazer estético ler os textos da Ana.