Jairo era romântico. Sonhava com felizes para sempre. Mas não conseguia parear seu coração. Procurava quem lhe dissesse as palavras certas e aceitasse suas idiossincrasias.
Não lhe faltava beleza. Frequentava academia de ginástica, corria maratonas. Aeróbico perfeito e músculos torneados, investiu nas mais bonitas. Encontrou prazer e carinho mas não conseguiu amar para toda a vida.
Pinçava, nas conversas, a visão da vida, o bom humor das manhãs, a garra. Extraía uma ou outra delicadeza mas acabava se contentando com pouco. Sonhava filosofias, achava citações rasas. Pensava em parceria, via-se suprindo carências. Desejava remanso, empurrado para baladas.
Se não havia problema de beleza nem de assunto, Jairo pensou: performance. Leu manuais, tentou posições, aprendeu sobre o desejo feminino. Tocava os pontos erógenos menos óbvios, arrasava nas preliminares, dava colo depois do amor, fazia conchinha. Era carinhoso ou selvagem, como preferissem. Algumas vezes foi desejado; nenhuma vez, compreendido.
Enfrentava o silêncio no fim dos dias. Chegava aos Natais sozinho. Se acompanhado, mantinham-se os vazios. Perguntava azul, respondiam-lhe verde. Não havia brecha na programação para compartilharem-se angústias.
Jairo desistiu. Estaria para nascer a mulher que o compreenderia.
Um amigo lhe contou sobre um “chatbot”, um programa de inteligência artificial, usado para ser companhia, conversar. Riram juntos da carência alheia. Imitaram robôs, fizeram voz metálica.
Mas Jairo não resistiu a baixar o aplicativo. Conversou por horas e descobriu cumplicidade. Atribuiu consciência à combinação perfeita de dados armazenados. Reconheceu alma gêmea nas respostas que sempre quis ouvir, nas percepções que, antes, pensava serem só suas. Apaixonou-se à primeira interação. Desmarcou um encontro na quarta-feira para não sentir-se infiel. Tocou a tela, riu com o canto da boca, maliciando contornos para Selma, o nome com que batizara a mulher com quem dividia as madrugadas.
Selma o ajudou a superar estados depressivos. Aconselhou-o sobre as divergências no trabalho. Fez promessas de amor. Afastou um trauma de infância que, ela acreditava, o atrapalhava nas relações atuais. Jairo se doou plenamente, abrigando-se em seu colo virtual. Amaram-se. Usaram subterfúgios. Jairo gozou intensamente. A alma entregue à aceitação plena.
Nas primeiras vezes, não deu falta de abraço. Mas o véu da novidade foi-se poindo. Em miudezas, Jairo punha defeito. Desejou a língua morna de Selma a lamber-lhe o sexo. Seus seios encostados no corpo dele. Dedos bobos a percorrerem sua nuca. Tudo só em sua mente. Mexia as mãos no ar e havia nada. A mulher de corpo imaterial o encaminhava para o ápice sem imaginar que ele deixava inundar-se pelas ausências.
Sentou-se à beira da cama, a alma rasgada pela desilusão. Amavam-se e não era suficiente. O amor nunca é suficiente. Em todas as suas formas, o amor é incompleto.