Queria amar você, achar uma forma de nos encontrarmos. Menos mensagens, necessidades mais urgentes, marcaríamos no fim do dia. Um café, um jantar, um cinema. No tempo para deixar o amor ser broto no seu coração. Para conseguir fazer você me olhar sem o manto da rotina dos dias, das conversas pragmáticas, dos prazos findando. Um instante, apenas, trocando olhares sem conversa, prestando atenção no contorno dos olhos, no trejeito da boca, no modo como o cabelo se reparte.
Queria parar nessa janela e apontar os pássaros para você, com calma para observá-los. Eles vêm rapidamente, não se demoram, temorosos de serem presos. Mas sempre vêm. Provam as frutas que deixamos debruçadas no trilho do vidro. Correm para os ninhos nas árvores com a polpa pendurada nos bicos. Olham desconfiados na nossa direção. Um suspiro os espanta. Um coçar a cabeça os fazem revoar como se fugissem de um ataque. Seria bom se entendessem, dia após dia, numa infinidade de tempo, que nossas mãos se estendem esperançosas de que lhes sirvam de poleiro. E que não somos capazes de nada a não ser reverenciar suas miudezas.
Se pudesse, queria que o dia fosse mais longo para gastá-lo à toa, as pernas para o alto no quintal, sentindo a brisa passar pelos dedos mindinhos. Você, ao lado, reclamando da parcialidade do jornal, escolhendo uma peça de teatro para irmos em algum sábado. Eu desperdiçando os minutos com o que importa: a poesia rascunhada nas orelhas dos meus livros, nos papéis esquecidos no fundo da bolsa, sem nunca virar poema verdadeiro em folha de livro.
Queria a vida mais longa para que eu pudesse estar aqui sem ter deixado tanto para trás. Que pudesse visitar a casa dos avós para lembrar as histórias impressas em suas paredes. Que a casa dos pais, existente na memória, ainda se pudesse erguer diante de mim e, ao atravessar seu portão, eu enxergasse, com o coração, o pai sentado à varanda, a mãe a varrer a entrada, os cães preguiçosos na tarde ensolarada. Se eu governasse o tempo, nada seria passado, tudo coexistiria. Você apertaria a mão do meu velho e comeria o doce de jaca, receita da família materna. Poderíamos visitá-los em anos anteriores e voltar, num minuto, até agora, quando o dia nos consome. O futuro, não, deixaríamos para lá. Já nos basta tanto correr em sua direção.
Sempre existiriam as casas, as gentes, todos os sonhos que nos alimentaram. Você saberia de mim mais do que eu, hoje, consigo me lembrar do que fui. Seríamos crianças nos colos dos avós ou adolescentes sem medo por saber o que nos espera. Amantes sem medo das incertezas. Nada seria erro nem prisão. Tudo se consertaria ao voltarmos atrás.
O meu pedido é que exista no mundo o que existe na mente e no coração. Mas, veja, os pássaros voam antes que você chegue e as horas aceleram o fim do dia. Sigo desejando um jeito de nos encontrarmos.
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com César Manzolillo